A atualização da legislação penal, com a inclusão de tipificações que permitam o enquadramento policial e judicial, é a solução apontada pelo próprio Poder Legislativo para tornar possível o combate aos crimes cometidos através da internet. A sugestão foi elaborada pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados em um estudo sobre as infrações digitais, feito a pedido do Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Casa. Apresentando durante encontro do órgão ocorrido no último dia 10, o levantamento mostra que o Brasil ocupa o 6º lugar no ranking mundial de países que mais sofrem ataques.
De acordo com a pesquisa, o País contabiliza 2,3% do total de delitos realizados via rede. Os Estados Unidos encabeçam a lista, com 26,1% dos crimes. Em seguida vem a China (23,9%), a Nigéria (5,7%), a Alemanha/Coréia (5,1%) e a Rússia/Romênia (4,5%). Segundo o levantamento, o delito digital tem como singularidade a inadequação dos códigos penais: nem todas as condutas podem ser enquadradas nos tipos tradicionais, o que evidência a necessidade de se classificar crimes específicos.
Outro ponto do estudo está relacionado à dificuldade de se identificar o infrator. O problema tem por base a característica extraterritorial do crime digital, que pode ser cometido em qualquer parte do mundo, a partir de um computador conectado à internet. Uma das soluções sugeridas pela Consultoria Legislativa para isso é a adoção de tratados e acordos de cooperação internacional.
De acordo com o presidente do Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica, deputado Inocêncio Oliveira (PR-PE), o instrumento mais importante nesse sentido é a Convenção de Budapeste. Criado em 2001, o acordo conta com a adesão de 40 países e prevê uma série de medidas para se combater o crime digital. O Brasil, no entanto, não integra o tratado. Um dos requisitos para ser signatário é ter uma lei específica, que abarque todas as recomendações que visam a impedir a interceptação de dados informáticos de forma ilegítima, a interferência em dados e sistemas privados e a pornografia infantil.
Outra recomendação feita pela Convenção é que as leis prevejam mecanismos que obriguem os provedores de acesso à internet a manter os registros de identidade de seus assinantes e as conexões por eles efetuadas, assim como preservar os dados de quem está sob investigação.
Proposições Segundo o parlamentar, pelo menos 15 proposições versam sobre as infrações digitais. A mais completa é a de autoria do ex-deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE). A proposta foi aprovada na Casa em 2003 e, desde então, encontra-se no Senado, sob a relatoria de Eduardo Azeredo (PSDB-MG).
Na avaliação do deputado, o Brasil precisa ter uma lei que lhe possibilite aderir a Convenção de Budapeste. De acordo com ele, nos últimos meses foram praticados no País 96 mil crimes digitais. E essa estatística só tende a crescer. Segundo Oliveira, a estimativa é de que até o final do ano o comércio venda 10 milhões de computadores, 25% a mais que no ano passado.
No que depender do Senado o projeto poderá levar mais algum tempo para ser votado. Eduardo Azeredo explica que mais dois órgãos terão que ser ouvidos sobre o substitutivo proposto por ele: além da CCJ, onde a proposta tramitava, a Comissão de Assuntos Econômicos e a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática.
Na opinião do senador, independentemente da aprovação da proposição, o Brasil já poderia ter aderido à Convenção de Budapeste. Ao longo dos anos, foram sancionadas diversas leis, distintas ou que modificaram outras, que coíbem ilícitos relacionados à informática. Exemplo é a Lei de Software (nº 9.609/98), que traz o crime de violação dos direitos autorias do criador do programa.
Há também a MP 2.200/2001, que criou a Infra- Estrutura de Chaves Públicas do Brasil, responsável pelo fornecimento das certificações digitais; a Lei 9.983/2000, que tipifica como crime de peculato eletrônico o servidor público que facilitar a terceiros acesso a dados públicos; e a Lei 9.296/96, que trata da inviolabilidade dos sigilos das comunicações telefônicas e informáticas (por e-mail, etc). "Acho que o País já poderia ter aderido à Convenção de Budapeste", disse Azeredo.
Recomendações internacionais
O consultor legislativo da Câmara dos Deputados Fábio Luiz Mendes esclarece que o País está atrasado no tocante a tipificação dos crimes que surgiram com os novos meios informáticos. "A nossa legislação praticamente não tem nenhum tipo penal nesse sentido", criticou. Na avaliação dele, o projeto a ser aprovado pelo Congresso deverá acatar recomendações internacionais.
Nesse tocante, Mendes destacou dois pontos recomendados pela Convenção de Budapeste: o que trata do acesso ilegítimo e da interferência de dados. "Vamos supor que um hacker entre no site de uma empresa, mas não danifique nada. No mundo físico, isso seria semelhante à invasão de domicílio. Na internet, entretanto, isso não é crime", explicou o consultor, sobre por que se tipificar o primeiro item. Em relação à interferência de dados, ele destaca a gravidade. "É quando um hacker entra no sistema de dados de uma empresa e apaga todos os dados", exemplificou.
Para o especialista em Direito Digital Rony Vainzof, da banca Opice Blum Advogados Associados, o substitutivo apresentado pelo senador Eduardo Azeredo atende as recomendações da Convenção de Budapeste. Ao todo, a proposição altera oito institutos legais - entre eles, os códigos de Defesa do Consumidor, Civil, Processual Civil, Penal, Processual Penal e Militar.
"O projeto traz tipos penais específicos. Traz a definição de acesso indevido e de atos que até então não são considerados crimes. Além disso, traz o aumento da pena para leis já tipificadas, como o crime contra a honra, que ganha dimensão na internet", defendeu o advogado o projeto, destacando que o País precisa adequar suas leis. Segundo Rony Vainzof, no Brasil já foram proferidas 7 mil decisões relacionadas ao Direito Digital.
contários. Apesar disso, a quem seja contra a proposição. Na semana passada, o advogado José Pinto Soares de Andrade enviou uma carta ao senador Eduardo Azeredo pedindo que o dispositivo da proposta que prevê a punição de quem disseminar vírus eletrônico fosse alterado. Na opinião do advogado, a medida permitiria o indiciamento de pessoas que remeterem vírus sem saber. Esse, no entanto, não é o único ponto a levantar polêmica.
De acordo com o senador, aspecto da proposta que tem gerado controvérsia é o que obriga os provedores armazenarem os dados dos usuários por um período de três anos. "Isso é algo que já é praticado em São Paulo, mas que estendido a nível nacional tem encontrado resistência", disse Azeredo, acrescentando que, pela proposição, as empresas também deverão fazer campanhas de conscientização sobre ações na rede que poderiam configurar crimes.
Na avaliação do parlamentar, o importante é haver meios que permitam a punição do infrator. "À medida que houver punição, tiraremos a sensação de que aqui é terra de ninguém", concluiu.
GISELLE SOUZA Data: 22/10/2007
Fonte: JORNAL DO COMMERCIO - DIREITO & JUSTIÇA
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