Já ficou popular a cena em que agentes da Polícia Federal, em suas operações de busca e apreensão, saem de prédios e casas carregando um amontoado de computadores e outros equipamentos de informática. O que ainda não ficou tão popular - talvez até propositalmente - é a figura do profissional que tem a missão de investigar essa parafernália toda e encontrar provas que ajudem a finalizar as investigações.
Silenciosamente, porém, esse personagem - o perito digital - vem assumindo um papel cada vez mais relevante nas investigações criminais e na gestão de grandes empresas, que começam a usar seus serviços com mais regularidade. As provas dessa importância crescente é o aumento explosivo no número de peritos no país e, principalmente, o fortalecimento dos negócios das empresas especializadas em criar o arsenal da segurança digital.
A Techbiz é bom exemplo do que vem acontecendo com esse mercado. Em 2003, quando era apenas uma integradora de software, a companhia começou a vender sistemas de forense computacional. "Foi uma surpresa para nós", diz Giovani Thibau, diretor de vendas e sócio da empresa. Dois anos depois, os produtos deram origem a uma operação separada, cuja receita já supera a da integradora de sistemas. A Techbiz cresceu 450% em 2007 e a previsão é aumentar 400% neste ano. Hoje, Thibau representa produtos de 12 companhias americanas. O empresário não revela o faturamento, mas o cálculo no mercado é que as vendas da companhia chegam a R$ 12 milhões por ano.
O movimento em torno da perícia digital também levou Leonardo Scudere, especialista que já colaborou com a solução de casos do FBI, a montar a Cyberbric. Criada em maio de 2007, a companhia distribui sistemas de oito fabricantes americanas e já reúne 20 clientes. "É um setor que está nascendo, com demanda por infra-estrutura e treinamento", diz Scudere.
A canadense CBL Tech, especializada em recuperação de dados, só vendia no país por meio de distribuidores locais. Há três anos, a demanda levou a empresa a montar um laboratório próprio em Curitiba (PR). "Há três anos, fazíamos uma média de 800 varreduras de HDs (o disco rígido do computador) por ano", diz Romildo Ruivo, diretor da CBL Tech. "Hoje, a média é de 3 mil varreduras."
A demanda vem de toda a parte. Operadoras de telefonia com milhares de funcionários compram sistemas especiais para proteger-se de fraudes e vazamento de informações. Os bancos têm a mesma preocupação. Mas não é no setor privado, que tem puxado os investimentos em perícia, que as mudanças decorrentes da investigação digital são mais sensíveis. Nada se compara ao que acontece na Polícia Federal.
Há três anos a PF tinha 75 peritos na área. Neste ano, o número dobrou. "Hoje, só somos menores que a perícia contábil e a de laboratório, que envolve drogas", diz Marcos Vinícius Lima, chefe do serviço de perícias em informática do Instituto Nacional de Criminalística, órgão da PF que recebe equipamentos apreendidos em operações.
No ano passado, a Polícia Federal montou laboratórios, treinou profissionais e adquiriu equipamentos de recuperação de dados e centenas de licenças de programas especiais, como Forensic Toolkit e Encase - das americanas Access Data e Guidance Software - usados para identificação, coleta, organização e análise de evidências em computadores. Segundo Lima, foram investidos US$ 11 milhões na área de perícia em informática da PF.
Mais está por vir. Lima não indica uma data, mas diz que a capacidade dos peritos oficiais está próxima do limite e que, entre o fim do ano e início de 2009, um novo grupo de profissionais será recrutado. "Acompanhamos esse movimento de perto", diz Wanderson Castilho, diretor da E-NetSecurity. A empresa treinou 75 peritos da PF no ano passado.
Sistema 'inteligente' detecta atitudes suspeitas
O americano John Frazzini decidiu trilhar um caminho que muitos peritos de informática tomaram nos últimos anos, ao perceber que haviam se especializado em algo inovador. Por quase dez anos, Frazzini foi agente do United States Secret Service, uma agência do governo federal americano criada em 1865 para investigar fraudes bancárias. Na agência, trabalhou na criação de tecnologias usadas para apoiar investigações realizadas durante o governo de Bill Clinton e no primeiro mandato de George W. Bush.
Em 2005, Frazzini decidiu deixar a agência, que também é responsável pela segurança pessoal dos presidentes americanos, para montar seu próprio negócio, a Behavioral Recognition Systems (BRS Labs). Foram três anos de pesquisa apoiada por uma equipe de 30 cientistas e US$ 24 milhões em investimento. No mês passado, ele finalmente apresentou a tecnologia AISight. O sistema, baseado em técnicas de inteligência artificial, permite que imagens captadas por câmeras sejam interpretadas sem a participação humana. O software, ao receber o vídeo, consegue distinguir tipos de comportamento suspeito e, com isso, emitir sinais antes que o crime aconteça.
"Hoje, temos milhões de câmeras espalhadas pelo mundo. Acontece que, na realidade, quase ninguém está ali a postos, assistindo as imagens", diz Frazzini, em entrevista exclusiva ao Valor. "Nossa idéia foi desenvolver uma tecnologia que assumisse a função dos olhos e do cérebro humano."
O especialista explica que a tecnologia opera a partir do acúmulo de conhecimento gerado pelo software, um processo que, depois de horas, dias ou semanas de imagens captadas, consegue estabelecer padrões de comportamento comuns àquele local. Ao detectar um movimento suspeito, o sistema emite alarmes, colorindo nas imagens a ação duvidosa. O usuário pode receber o alerta em seu laptop ou em um iPhone, por exemplo, com a exibição da cena em tempo real.
Frazzini explica que em ambientes mais simples, como uma central de caixas automáticos de banco, bastam poucos dias para que o sistema faça o reconhecimento de comportamentos padrão. Em locais de grande circulação, como um aeroporto, a máquina precisa de algumas semanas para a aprendizagem. "O que nós vemos hoje são empresas e polícias muitas vezes preocupadas em ter apenas uma qualidade melhor de imagem", diz o especialista. "Mas isso não significa que haverá alguém lá, vendo o que acontece."
Em versão beta, o produto da BRS já vem sendo testado por bancos, portos e aeroportos dos Estados Unidos. A versão oficial chega ao Brasil no próximo mês, com distribuição da Cyberbric. Frazzini não dá nomes, mas afirma que a tecnologia também está em teste em um banco no país, com apoio de integração da Unisys.
Além das grandes empresas, orgãos oficiais também estão investindo em novas tecnologias. No mês passado, a Polícia Militar de São Paulo decidiu renovar seu sistema de vigilância. A PM gastou R$ 6 milhões para montar um centro de operações, onde trabalham 73 policiais diariamente, durante 24 horas, em revezamento. A estrutura opera com 100 câmeras baseadas no sistema de banda larga sem fio Canopy, da Motorola, que faz a transmissão das imagens captadas diretamente para a central de monitoramento. Até o fim do ano serão compradas mais 100 câmeras, a um custo de implantação estimado em R$ 5 milhões.
O negócio bilionário da vigilância cresce rapidamente no Brasil. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Segurança Eletrônica (Abese), existem mais de oito mil empresas no segmento de sistemas eletrônicos de segurança, o que gera cerca de 100 mil empregos diretos e mais de 1 milhão de vagas indiretas. Atualmente, há cerca de 450 mil imóveis monitorados por sistemas eletrônicos de alarmes. Em 2007, o setor movimentou US$ 1,2 bilhão, com crescimento de 15% em comparação com o ano anterior. São números que animam John Frazzini. "Fui muito feliz enquanto trabalhei para o serviço secreto. Agora, estou ainda mais feliz como executivo do setor de segurança."
André Borges, de São Paulo
Data: 15/08/2008 14:59:10