Empresas & Negócios
8/1/2007
Gaúchos miram na Ásia para crescer globalmente
Marcar presença na China e na Índia deve ser a palavra de ordem das empresas brasileiras da área de Tecnologia da Informação (TI) que pretendem se tornar competitivas globalmente. O movimento de internacionalização, entretanto, envolve desafios que assustam empresários brasileiros: o risco da cópia de produtos e a necessidade de produzir em massa.
Como um mercado da dimensão do asiático não pode ser ignorado, empresas buscam aliar uma dose de audácia com cautela para serem bem-sucedidas. Zenon Leite Neto, presidente da empresa gaúcha Urano, já perdeu as contas das propostas indecentes que recebeu de agentes chineses, desde que começou a negociar com o país.
Em uma das mais recentes, ouviu por telefone a idéia de um grupo de investidores que queria convencê-lo a fazer uma parceria, no mínimo, suspeita. A proposta era de que os chineses conduziriam todo o processo de fabricação de uma impressora desenvolvida pela Urano, além de ficarem responsáveis pela comercialização mundial. A resposta, claro, foi um sonoro não. 'O ideal é começar aos poucos, trabalhar um tempo com a mesma empresa e, depois, evoluir para negócios mais ousados', sugere.
Ainda assim, é um desafio que vale a pena enfrentar. A empresa gaúcha está estreitando os laços com o mercado chinês e aposta em duas estratégias diferenciadas para aproveitar os grandes volumes que envolvem qualquer comercialização com os países asiáticos.
Até 2006, a empresa apenas importava os componentes, mas, aos poucos, começou a perceber potencial para desenvolver produtos para serem fabricados no país. Um dos primeiros frutos desse trabalho é uma balança comercial, usada para pesar pães e produtos de feira. O projeto é desenvolvido no Brasil, fabricado na China e volta ao mercado nacional para os últimos ajustes e para comercialização.
O primeiro lote foi de 500 unidades, passando para 1,2 mil, que deverão chegar este mês. A partir do recebimento, análise e comprovação da qualidade do produto especificado pelos brasileiros, a meta é importar 1,5 mil balanças mensalmente.
Segundo Neto, o que levou a empresa a adotar esta estratégia é o mesmo que faz com que diversos países se rendam a mercados com abundante mão-de-obra. 'A redução de preços é impressionante e, em muitos casos, os custos de produção são 50% inferiores na China.'
Outra ação da gaúcha com o mercado chinês deve começar em breve e prevê a importação de insumos e a exportação do produto, uma impressora fiscal. 'Venderemos aos chineses até que comecem a aparecer as cópias', observa Neto, atento para os riscos que negociações com esse país envolvem. A cópia de produtos faz com que a China, apesar de ser um parceiro extremamente potencial, transforme-se em uma ameaça para empresas com as quais mantém relações.
O produto que é preparado para a exportação possui um sistema de código de barras para impressão de etiquetas destacáveis. A previsão é iniciar a comercialização em diversos segmentos, possibilitando a geração de crachás e etiquetas para colocar em roupas e produtos.
Em um primeiro momento, serão entregues 200 unidades/mês, passando para mil em pouco tempo. A Urano já exporta para todos os países da América e o novo produto será agregado à linha de balanças já existente.
É uma espécie de projeto-piloto, que, se bem-sucedido, evoluirá para números mais expressivos. Até mesmo porque, um fator fundamental para fazer negócios com um mercado da dimensão da China e da Índia é ter sempre em mente o volume. 'Se você não tiver produtos em grande quantidade, nem adianta pensar na China', diz.
Em 2006, a Urano fabricou 12 mil balanças, de janeiro a outubro, um incremento de 8,3% em relação ao mesmo período de 2005. O faturamento deve aumentar 30% e a meta é que, em 2007, 5% do volume produzido seja destinado para exportação.
A questão do volume também é destacada pelo diretor da empresa e da Associação Brasileira da Indústria Elétrica Eletrônica (Abinee-RS), Luiz Francisco Gerbase. Segundo o executivo, o Brasil deve se preparar para, a partir dos mercados asiáticos, gerar melhorias à sua indústria e prospectar novos negócios.
Na Índia, em parceria com uma empresa local - a Messung Systems -, a Altus desenvolve um novo modelo de controlador programável, utilizando recursos e engenharia das duas empresas. 'A idéia é criar um equipamento que possa ser vendido para o mundo e não mais apenas para o mercado brasileiro. Será um produto de classe mundial', projeta. Para driblar as distâncias, os encontros entre os empresários das duas companhias acontecem nos países-sedes ou em algum que fique no meio do caminho.
A gaúcha Altus está nessa interação com o mercado chinês e indiano há cerca de quatro anos e se prepara agora para montar uma base local. 'Já sabemos que temos de estar lá e iniciamos a fase de planejamento', relata Gerbase. Há alguns anos, a Altus mantém na China um escritório que compra componentes e envia para serem usados no Brasil.
Agora, com a perspectiva de estabelecer uma base de desenvolvimento local, a estratégia é de que alguns projetos de chips, placas e matriz plástica possam ser feitos na Ásia, dentro dos projetos maiores de automação da companhia. A empresa possui três pessoas trabalhando em Taiwan, além de alguns agentes.
É bem verdade que esse não é um projeto fácil e envolve uma aproximação de cultura entre países, conhecimento e respeito mútuo dos processos de cada envolvido. Na Índia, por exemplo, as empresas estão mais voltadas para atender mercados demandantes por preço, enquanto que as máquinas no Brasil são mais voltadas para sofisticação.
Comitiva do Rio Grande do Sul viaja para conhecer oportunidades oferecidas pelos indianos
As oportunidades do mercado indiano estão levando empresas gaúchas a participar da Missão Empresarial de Prospecção Tecnológica e de Mercado à Índia, que acontece de 4 a 14 de janeiro. Durante esse período, os empresários conhecerão instituições como o National Association of Software and Service Companies, em Mumbai, a Feira Internacional Índia Soft 2007, empresas e centros tecnológicos de Bangalore.
No retorno, a idéia é que a equipe avalie as melhores ações para aplicar nas empresas com a integração dos colaboradores, fomentando o setor de Tecnologia da Informação no Estado. Entre os representantes gaúchos da Assespro estão o empresário Eduardo Batista de Souza, da Di Uno Tecnologia, e a advogada Lisiane Peccin Pratti, da LB Consultoria e Assessoria Jurídica.
A iniciativa tem o apoio da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação, Software e Internet (Assespro-RS), Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-RS) e o Instituto Euvaldo Lodi (IEL).
Para o coordenador do Conselho de Inovação e Tecnologia da Fiergs, Ricardo Felizzola, movimentos como esse devem aumentar em 2007. O empresário admite que os negócios com países como China e Índia têm os seus riscos. Porém, não são tão rigorosos a ponto de fazerem com que as empresas, principalmente da área de eletrônica, deixem de fazer parte de todas as vantagens desse ambiente. 'A velocidade de desenvolvimento nessa área é imensa e se não nos associamos a eles de alguma forma, estaremos fora do mundo.'
O executivo destaca que, ao terceirizar a manufatura, é preciso atenção. Em países desenvolvidos, a existência de marcos legais mais tradicionais fornece uma sensação de diminuição dos riscos. O que não costuma acontecer em economias em desenvolvimento, como Ásia, China, Rússia e, inclusive, Brasil. São países cuja legislação está em formação e que ainda estão se abrindo para o mundo.
Felizzola diz, entretanto, que esses desafios não são diferentes dos que as empresas estão acostumadas a enfrentar. 'Quem vai para a China quer aproveitar a mão-de-obra e a política de competitividade de lá. Talvez a melhor proteção seja a inovação.' Isso porque a aposta é de que o Brasil não deve tentar competir em escala. Na área de eletrônica, não é o commoditie que faz sentido nesses mercados e, sim, a busca pelo diferencial.
China e Índia viram sinônimo de massificação de serviços e produtos
Um dos principais atrativos de mercados como China é Índia é a mão-de-obra abundante e barata. No livro o Mundo é Plano - Uma Breve História do Século XXI, Thomas Friedmann mostra que países como a Índia e China estão aptos a competir pelo trabalho intelectual global como nunca antes.
Os indianos se tornaram uma referência em terceirização da Tecnologia da Informação (TI). Empresas locais de desenvolvimento fazem softwares encomendados por empresas americanas e européias e dão atendimento a clientes do mundo do todo sem sair do lugar.
Tudo que envolve massificação está migrando para a Ásia. Em 2003, 25 mil declarações de imposto de renda dos americanos foram feitas por indianos, número que chegou a 500 mil no ano passado. Em salas estrategicamente delimitadas para cada cliente, atendentes de call centers adotam nomes ocidentais e treinam arduamente para eliminar o sotaque.
Com isso, atendem pessoas do mundo todo e vendem produtos como cartão de crédito e computadores como se estivessem na mesma cidade. Atualmente, cerca de 245 mil indianos atendem ligações de todas as partes do mundo. Previsões da Forrester Research é de que 3 milhões de empregos entre setores de serviços e profissionais liberais deixem os Estados Unidos até 2015.
Um salário inicial para um atendente na Índia é de US$ 500, já incluindo alimentação, deslocamento e plano de saúde para toda a família. Um analista de sistemas recebe um salário de US$ 15 mil em Bangalore, enquanto que o de um americano de Nova Iorque fica em torno de US$ 80 mil. As tentações para usar essa mão-de-obra não são novidade. O que acontece, agora, é que há uma tendência das empresas brasileiras tentarem fazer parte desse movimento de crescimento, fincando os pés nessa região.
Para o advogado Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos, países como China e Índia podem ser grandes mercados consumidores de idéias criativas dos softwares brasileiros, principalmente em alguns segmentos especializados. 'O Brasil é um dos mais sofisticados e eficientes na criação de soluções de automação bancária, principalmente nas áreas de compensação de cheques e documentos, tesouraria e internet banking', aponta Santos.
A Almeida Camargo Advogados possui um escritório na China que orienta os empresários chineses que pretendem firmar parcerias com empresas brasileiras. 'O mercado Brasil e Ásia é bilionário e ilimitado para a TI brasileira', observa.
O Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) é apontado como um dos mais eficientes sistemas financeiros do mundo, através da rede que interliga os bancos brasileiros ao Banco Central. Um dos principais players no desenvolvimento de equipamentos bancários, a gaúcha Perto está fazendo prospecções na Índia e iniciando processos de homologação de produtos e softwares.
A empresa está realizando um estudo para definir o modelo de parceria que adotará com o país em 2007. O intercâmbio de informações e visitas de executivos já está acontecendo nos dois sentidos. Uma das idéias que estudada é a de ter parte da produção no Brasil e parte na Índia. 'O mercado indiano é gigantesco e as janelas de oportunidades precisam ser preenchidas logo', observa o diretor da empresa, Nori Lermen.
A forte concorrência também se manifesta dentro de casa
Empresas globais como SAP e Dell enfrentam a concorrência brutal da China e Índia a partir das suas unidades brasileiras. As companhias, com as áreas de desenvolvimento instaladas no Rio Grande do Sul, possuem um modelo de desenvolvimento semelhante na operação local, projetando produtos para serem vendidos para as próprias unidades, espalhadas pelo mundo.
O maior foco é atender o mercado americano, o maior consumidor de offshore do mundo. Para isso, todas as armas são necessárias. De uma forma geral, a mão-de-obra chinesa e indiana ainda tem um custo menor. Ponto para os asiáticos. Mas, por outro lado, os brasileiros são considerados mais criativos, capazes de dar soluções mais interessantes para problemas e comunicativos. 'Nunca vamos competir em pé de igualdade em volume de recursos humanos, porém, os brasileiros demonstram maior capacidade de desenvolver relações com os colegas americanos', afirma o gerente de desenvolvimento da Dell, Geraldo Gomes. Os bons relacionamentos ajudam também no mundo da TI. A Dell possui 480 pessoas no Rio Grande do Sul trabalhando com software para projetos que são desenvolvidos e enviados para as outras unidades da Dell no mundo.
Assim como o brasileiro, o profissional indiano é muito qualificado. Porém, o brasileiro é mais generalista e se encaixa melhor nas demandas dos EUA, que procuram mais flexibilidade. O executivo da SAP, Orestes Hypolito, explica que características como capital intelectual diferenciado e capacidades pessoais importantes para o desenvolvimento de softwares devem estar aliadas com custos interessantes, para que o País possa ser um fornecedor de grandes mercados. 'O que interessa é o resultado.'
Nesse quesito, o Brasil também tem um custo competitivo com países como Índia e China, principalmente se comparado com EUA e Leste Europeu. A vinda da SAP para o Rio Grande do Sul foi uma aposta no futuro. 'Temos que ser mais ágeis na competição que os indianos e chineses', diz. A SAP Brasil já conquistou projetos em concorrência direta com a China e Índia.
Para Hypolito, o Estado pode se tornar a Bangalore do Ocidente, uma comparação com a cidade indiana na qual estão instaladas algumas das principais empresas do mundo da área de TI. A empresa possui nove centros tecnológicos no mundo, um deles em São Leopoldo, há cerca de quatro meses.
Outra empresa que concorre com esses mercados a partir do Estado é a brasileira Stefanini. No Tecnopuc, a empresa concentra o desenvolvimento de sistemas na modalidade de offshore e tem um contrato global de fornecimento de serviços com a Dell, o que garante este fornecimento para o mundo todo.
Além disso, a empresa está montando uma filial junto ao GDC que a Dell tem na Índia. 'Aqui somos concorrentes dos indianos e lá vamos nos posicionar como mais uma alternativa de fornecimento de serviços', explica o diretor de negócios da Região Sul da Stefanini, Álvaro da Rocha Macedo Filho.
Para ele, apesar do custo Brasil não ser o mais baixo - a Índia tem um preço absoluto mais baixo - o País tem como vantagem o fuso horário. Há alguns anos, existia a percepção que seria uma grande sacada ter um indiano trabalhando enquanto o americano dormia, gerando juntos 24 horas de dedicação ininterrupta em uns projetos. Mas então, vieram as vantagens da comunicação. 'Hoje o mercado sabe que é fundamental que todos os envolvidos nos projetos estejam em contato, para evitar gaps', diz.
Colunistas Participantes:
Osni Machado
Salimen Júnior
José A. Vieira da Cunha
Data: 17/01/2007