Steve Hamm e Dexter Roberts
29/12/2006
Numa ensolarada tarde de setembro, um Mercedes S320 preto estaciona em uma rua de Zhongguancun, o distrito de Pequim onde se pode comprar de tudo em produtos eletrônicos de consumo. Dele sai um homem vestido com um terno cinza conservador, cabelos escuros tingidos, rosto arredondado e óculos de aros de metal. Ele tem a mesma aparência jovial de 18 anos atrás quando, ainda um estudante de ciências tímido e com pouco dinheiro, chegou a esta vizinhança. Então chamada de "Beco dos Trapaceiros", a área era uma feira mal-afamada onde os principais produtos eram os softwares piratas. Agora, tudo foi substituído por néon, aço e vidro.
Aos 42 anos de idade, Yang Yuanqing, presidente do conselho de administração da Lenovo, a principal fabricante de PCs da China, entra no Ding Hao Electronics Mall, um lugar que provoca vertigem. Em todo canto há placas, luzes e muita gente. Passando de uma loja para outra e examinando atentamente os mostruários de sua companhia, ele fala tranqüilamente com os consumidores. Mas toda vez que pára, é imediatamente cercado por um grupo de pessoas que se apressam a tirar fotografias com suas câmeras digitais e celulares. Aqui, Yang é um executivo com pinta de astro do rock, um Bill Gates chinês.
Foi nessa vizinhança, em 1988, que Yang começou a trabalhar para a Lenovo - então uma pequena companhia chamada Legend Group -, num prédio de três andares sem qualquer atrativo. Yang entra de novo no Mercedes e logo passa em frente ao lugar onde morou com quatro colegas, num dormitório da companhia. Olhando em volta, percebe que o prédio foi demolido para dar lugar a um estacionamento. "Tudo foi derrubado", admira-se. "É uma mudança radical."
O próprio Yang passou por uma transformação não menos admirável. Ele cresceu pobre em Hefei, uma cidade tranqüila no leste da China, durante a Revolução Cultural. Hoje, lidera a terceira maior fabricante de PCs do mundo, com receita de US$ 13 bilhões. É um homem rico: sua remuneração chegou a US$ 2 milhões no ano passado e ele tem um apartamento de luxo com vista para o Central Park, em Nova York, além de uma casa nos subúrbios de Pequim. Em julho, transferiu sua família por algumas semanas para seu apartamento em Raleigh, Carolina do Norte, perto da sede da Lenovo, para que seus filhos pudessem "tomar um banho" de cultura americana em um acampamento de verão.
No ano passado, quando a Lenovo comprou a IBMPC - a divisão de computadores da IBM -, Yang entrou no cenário mundial. Ele se tornou o primeiro executivo chinês a liderar a aquisição de uma empresa que era um símbolo ocidental. Agora, tem a chance de ajudar seu país a apagar a imagem de centro manufatureiro de baixo custo.
Mas Yang Yuanqing poderá acabar se mostrando muito mais do que isso. Desde que incumbido, aos 29 anos, de reorganizar a deficitária unidade de PCs da antecessora da Lenovo, ele vem desafiando o estereótipo do administrador chinês. Hoje, está surgindo como o primeiro de uma classe de líderes híbridos, que casam a energia e a criatividade da administração ocidental com as grandes eficiências das operações de manufatura da China.
Se sua idéia de um chefe chinês é a de um burocrata cauteloso movido pelo Estado, Yang não é essa pessoa. Ele preside uma cultura meritocrática construída com a marca do Vale do Silício: num país que venera os idosos, ele promove destemidamente os jovens e demite os funcionários que não se esforçam. Exige que as pessoas aprendam com seus erros e é inflexível com o auto-aprimoramento. Quando ficou claro, 18 meses atrás, que ele estava sendo prejudicado pelo pouco conhecimento que tinha do inglês, contratou um tutor, passou a assistir a CNN obsessivamente e em um ano estava falando inglês fluentemente.
Algumas das técnicas administrativas de Yang deixariam Jack Welch orgulhoso. Pouco depois de assumir o comando da Legend, ele decidiu que os administradores precisavam se reconectar a suas equipes. Um grande número deles possuía títulos pomposos com a palavra "presidente"; Yang queria que todos fossem chamados por seus nomes. Para obter isso, ordenou aos executivos que ficassem do lado de fora do prédio, todas as manhãs, e cumprimentassem os funcionários segurando nas mãos cartazes com seus nomes.
A pressão sobre Yang é intensa e não vem apenas dos acionistas. Em 2005, poucos meses depois de fechado o acordo com a IBM, o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao fez uma visita à sede da Lenovo em Pequim. No fim da curta visita, disse a Yang: "Você carrega as esperanças da China em seus ombros", relata uma pessoa que presenciou a conversa.
Mas Yang está descobrindo o quanto será difícil transferir o sucesso na China para outras partes do planeta. Recentemente, enfrentou problemas com Washington depois que preocupações dos congressistas americanos em relação à segurança forçaram o Departamento de Estado a mudar a maneira como usava cerca de 14 mil PCs encomendados da Lenovo. Respondendo a temores de que tecnologias bisbilhoteiras do governo chinês pudessem ser introduzidas nos computadores da empresa, o Departamento de Estado redirecionou alguns deles para projetos menos sensíveis.
Muita fricção também está ocorrendo dentro da Lenovo. Em dezembro de 2005, Yang e o conselho de administração demitiram o segundo no comando, o ex-funcionário da IBM Steve Ward, em parte porque ele estava sendo lento demais no corte de custos. O substituto de Ward no cargo de executivo-chefe é o frenético William J. Amelio, que comandava as operações da Dell na Ásia.
Yang comanda a companhia e Amelio se reporta a ele, mas eles dividem muitas responsabilidades na supervisão da empresa, que tem crescido muito, numa base quase igualitária. A Lenovo vende produtos em 66 países e os desenvolve em laboratórios na China, nos Estados Unidos e no Japão. Yang e Amelio também precisam misturar os melhores quadros e características da velha Lenovo com os da IBM. Na verdade, eles estão misturando duas culturas nacionais e três culturas corporativas, uma vez que Amelio está substituindo alguns dos altos executivos da Lenovo e da IBM por sua própria equipe, que vem principalmente da Dell.
Yang responde a uma mistura singular de acionistas que inclui investidores públicos, a Academia de Ciências da China, os fundadores da companhia e a IBM. Cada parte tem seus próprios interesses. Investidores em private equity possuem bastante força, já tendo aplicado US$ 350 milhões na companhia em troca de uma participação de 10%.
A estratégia de Yang é ambiciosa. Nos próximos dois anos ele quer aumentar a já dominante participação de 35% da Lenovo na China e, ao mesmo tempo, crescer em outros mercados emergentes. No Ocidente, a Lenovo recorre à ajuda da IBM nas vendas a grandes corporações, mas para os pequenos e médios clientes adota a estratégia usada na China de oferecer PCs através de um grande número de varejistas. Enquanto isso, reorganiza a velha rede de produção da IBM para torná-la tão eficiente quanto as operações chinesas.
No longo prazo, Yang quer transformar a Lenovo em uma marca global conhecida. A empresa está afastando os clientes da marca IBM, que tem o direito de usar por cinco anos. Primeiro, parou de usar o nome da empresa americana em suas propagandas. Agora, está gradualmente substituindo a marca IBM pela sua própria nos laptops ThinkPad.
Ex-engenheiros da IBM afirmam que as coisas mudaram para melhor desde a fusão - e de maneiras inesperadas. Yang vem mantendo constantes os gastos com pesquisa e desenvolvimento em relação à receita. Mas como um volume maior de trabalho está sendo feito na China, onde os engenheiros custam um quinto dos colegas americanos, ele está economizando dinheiro. O executivo também dedicou 20% do orçamento de pesquisa e desenvolvimento a idéias inovadoras. Um novo conceito já foi criado: o NovaCenter, uma combinação de PC com televisão. Além do Windows, da Microsoft, o equipamento possui um sistema operacional voltado para o entretenimento criado pela Lenovo.
Apesar de todos os planos, porém, a Lenovo continua numa posição precária. As vendas ainda são fortes na China, que deverá ser um dos mercados de maior crescimento nos próximos anos, mas concorre com empresas muitas vezes maior que ela. A Dell, sozinha, investiu US$ 16 bilhões em suas fábricas e fornecedores chineses no ano passado - mais que as vendas mundiais da Lenovo. As vendas da Lenovo caíram 9% nos EUA no trimestre passado, num sinal de que a companhia está tendo dificuldades em seus esforços para construir uma marca global.
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Uma das técnicas de Yang foi colocar os executivos na porta da empresa para cumprimentar os funcionários pela manhã
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Os analistas estão um pouco perplexos com esses dados, embora acreditem no crescimento da receita e na melhoria das eficiências no longo prazo. A ação (que não é negociada nas bolsas americanas) está cotada a cerca de 3,30 dólares de Hong Kong. Os papéis vêm oscilando entre 2 dólares e 4 dólares de Hong Kong há três anos. Em setembro, a Lenovo foi tirada do índice Hang Seng da Bolsa de Hong Kong por causa dos baixos volumes de negócios.
Outras grandes empresas chinesas estão à espera de algum tropeço de Yang. Com a economia doméstica crescendo 10% ao ano e as reservas internacionais prestes a superar a marca de US$ 1 trilhão, elas continuam atentas a alvos de aquisição atraentes em setores que vão do petrolífero ao de eletrônicos de consumo. As primeiras incursões chinesas na expansão global, porém, foram frustrantes. A joint venture feita em 2004 pela fabricante de produtos eletrônicos TCL com a francesa Thomson TMS , que controla a marca RCA, vem queimando caixa, o que já resultou no fechamento de fábricas e escritórios. Em 2005, uma oferta de US$ 18,5 bilhões da CNOOC pela Unocal deu em nada, sendo barrada pelo Congresso americano.
Edward Tian, amigo de Yang e ex-vice-presidente do conselho de administração da gigante de telecomunicações China Netcom, explica como os outros vêem o executivo da Lenovo: "Na China há um velho ditado que diz: 'Não seja o primeiro a comer o caranguejo'. É difícil tirar a carne da casca e você pode acabar envenenado. As pessoas vêem Yuanqing como o cara está comendo o caranguejo primeiro. Elas aguardam para ver se ele vai sobreviver."
Se a Lenovo fracassar, não será por falta de intensidade. No enorme átrio do terceiro andar do edifício da Lenovo no distrito de Shangdi, em Pequim, um cartaz enorme com um mapa divide a China em 18 regiões de vendas. No pé do cartaz estão colunas que mostram as vendas e a classificação de cada região. Todo dia, às 7h30, os totais são calculados e mensagens são enviadas para os celulares de cada administrador. Se uma região aparece com menos de 100% de sua cota de vendas, o gerente precisa apresentar imediatamente um plano de recuperação.
Às vezes, Yang parece obcecado com os detalhes. No ano passado, durante a cerimônia de lançamento de um programa de acampamento de verão para crianças, ele percebeu que a bandeira da empresa estava colocada de cabeça para baixo. Para chamar a atenção da equipe de eventos, cortou as bonificações por desempenho.
Descobrir exatamente qual o papel que Yang deve desempenhar na companhia tem sido difícil. Ele coordenou a aquisição da IBM e, mesmo assim, durante a transição, parece ter assumido um papel secundário. Ward tornou-se o representante da companhia para a imprensa e os analistas ocidentais. Embora Ward e Yang neguem que tenha existido alguma tensão entre eles, um figurão do setor lembra-se de que quando foi jantar com os dois, poucos meses depois de fechado o negócio, Ward fez praticamente todos os comentários. "Foi uma situação bastante desconfortável", diz ele.
Os encontros iniciais entre Yang e Amelio também foram tensos. Não admira: eles vinham competindo palmo a palmo no mercado chinês. Amelio lembra seu primeiro encontro com ele em um hotel de Hong Kong: "Lá estávamos nós, dois caras que vinham tentando cortar a garganta um do outro, falando em fazer as coisas juntos." Agora eles formam uma equipe unida. Yang vai fundo em suas especialidades, que incluem marketing e distribuição. Enquanto isso, Amelio se concentra no ajuste fino da cadeia de fornecimento.
A influência de Yang vem crescendo desde o ano passado. Pouco depois da aquisição da divisão da IBM, o conselho criou um comitê de estratégia comandado por Yang, mas carregado de vozes fortes, incluindo Liu Chuanzhi, um dos fundadores da companhia. No começo, o comitê se reunia uma vez por mês; agora, apenas uma vez por trimestre.
Um Yang confiante também está emergindo como figura pública no Ocidente. O executivo ficou furioso durante a briga envolvendo o Departamento de Estado dos EUA. "Não somos uma companhia controlada pelo governo", disse ele à "BusinessWeek" pouco depois do assunto ter virado notícia. "O mercado chinês de PCs era dominado pelas empresas estatais. Derrotamos todas elas." Hoje, a estatal Academia Chinesa de Ciências detém 27% das ações da Lenovo, graças a seu investimento inicial de US$ 25 mil na Legend. (Isso em comparação com uma participação de 35% dos acionistas públicos, 15% dos funcionários, 13% da IBM e 10% de investidores privados.) Mas a Academia não tem membros no conselho e a Lenovo insiste que ela não exerce nenhuma influência.
Mais tarde, Yang fez sua defesa diretamente ao Congresso americano. Em junho, em um seminário em San Francisco, ele trocou as etiquetas de identificação de uma mesa para que pudesse se sentar perto de C. Richard D'Amato, membro do comitê de aconselhamento do congresso que havia levantado a questão dos problemas de segurança. D'Amato diz ter ficado impressionado com a determinação de Yang, mas "nada mudou de fato o meu pensamento".
Yang teve mais sucesso ao intermediar um acordo para ajudar a conter a pirataria de software na China. Em julho de 2005, durante uma reunião na sede da Microsoft em Redmond, Washington, Bill Gates e o executivo-chefe da Microsoft, Steven Ballmer, pediram ajuda a Yang contra a pirataria e, nos meses seguintes, Yang elaborou um acordo com os executivos da Microsoft na China. Eles concordaram em dar a ele um desconto no Windows e ajudar na comercialização. Em troca, Yang concordou em instalar o sistema operacional na maioria dos PCs Lenovo vendidos na China. Ele apostou que outros fabricantes chineses fariam o mesmo e, graças à pressão do governo, eles fizeram. As vendas do Windows instalados em PCs na China triplicaram desde que o acordo foi firmado. "Yuanqing fez uma grande diferença. Ele estava disposto a arriscar", diz Ballmer.
Mas se Yang arrisca mais do que se poderia esperar de uma pessoa que cresceu num Estado comunista, seu estilo é também bastante calculista. Colegas da Lenovo que já passaram noites com Yang jogando Tuolaji, um jogo de cartas chinês, dizem que ele estuda suas cartas por um longo tempo, antes de fazer qualquer jogada. Mesmo quando sai com cartas ruins, tenta encontrar um meio de vencer. Eles vêem paralelos na maneira como Yang comanda a companhia: o executivo está sempre disposto a assumir riscos, mas apenas se já estudou bastante a situação e percebe que tem uma chance razoável de prevalecer.
A origem desses traços não é nenhum mistério. Yang lembra que seus pais eram muito exigentes e que ele tinha de estar sempre entre os primeiros da classe. Ambos eram médicos e, mesmo assim, na China da década de 1960, tinham o mesmo salário de um trabalhador braçal. Foram várias vezes enviados para o interior do país para reeducação e prestação de serviços comunitários.
Isso forçou Yang a crescer rapidamente. Aos 8 anos, já fazia as refeições em um fogão a lenha para ele e dois irmãos menores, na sacada do pequeno apartamento do conjunto habitacional em que a família vivia. Seu único brinquedo era um saco de bolinhas de gude; quando Yang queria jogar bola, amassava um pacote usado de cigarros. "Era uma tragédia, mas também foi uma sorte", diz ele. "Se você não sabe o que está acontecendo do lado de fora, também não sabe o que está perdendo."
Yang amava escrever poesias quando adolescente, mas decidiu formar-se em ciências da computação na universidade. Seis anos depois, ele estava para concluir seu mestrado quando viu um anúncio de emprego da Legend, que na época tinha 100 funcionários. Entrou como vendedor, com um salário mensal de US$ 30. Em 1994, Yang assumiu a direção da área de PCs e, em apenas três anos, transformou a Legend na maior fabricante de computadores da China.
Sua grande oportunidade surgiu em 2003 - dois anos depois de assumir o cargo de executivo-chefe -, quando descobriu que a IBM estava interessada em vender sua deficitária unidade de PCs. Todo o conselho, porém, foi contra a idéia. Yang e sua equipe insistiram e acabou fazendo sua vontade prevalecer. Hoje, os momentos de êxtase são raros. No fim de um longo dia de trabalho, em setembro, ele senta-se à mesa no restaurante Bai Family Courtyard de Pequim. O restaurante é decorado ao estilo do Palácio Imperial de Pequim e as garçonetes se vestem como princesas da dinastia Qing.
Por um momento, Yang parece relaxar. Mas isso é apenas temporário. Uma das pessoas que está com ele à mesa pergunta o que o faz perder o sono à noite. Yang rapidamente responde que quase tudo. "Eu tenho muitos sonhos ansiosos", diz ele. "São as emergências normais de se administrar uma companhia todos os dias. A queixa de um cliente. Não temos como atender a demanda. Componentes estão em falta. Eu sempre acordo e, às vezes, acabo ficando acordado a noite inteira."Data: 15/03/2007