O dispositivo da Lei Complementar nº 87/96 que prevê a compensação dos créditos acumulados do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) decorrentes da aquisição de energia elétrica e serviços de comunicação finalmente poderá passar a valer. Uma decisão da Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu como inadmissível as sucessivas prorrogações, promovidas pelo Legislativo, que impedem a entrada em vigor do artigo nº 33. Uma ação movida por uma empresa do ramo de varejo foi a responsável pelo precedente. Ela reivindicava a utilização de cerca de R$ 40 milhões acumulados. Dessa decisão, no entanto, ainda cabe recurso.
O dispositivo, que beneficia principalmente os comerciantes, deveria ter entrado em vigor em janeiro de 1998, mas a eficácia dele foi postergada com a sanção de uma série de leis complementares. Primeiro a possibilidade de utilização desse crédito passou para janeiro de 2000, depois para janeiro de 2003 e, posteriormente, para janeiro de 2007. A última alteração na data em que a regra deveria entrar em vigor ocorreu em dezembro de 2006, com a Lei Complementar nº 122/06. A norma adiou a vigência do benefício para 2011.
A defesa da empresa varejista sustentou que essa última prorrogação era ilegal. O advogado da causa Gerson Stocco - sócio do Gaia, Silva Rolim - explicou que a suspensão do benefício implicava, mesmo que indiretamente, em aumento da carga tributária. Pela redação dada à Constituição pela Emenda nº 33, de 2003, qualquer ação que trouxesse ônus ao contribuinte deveria observar prazo de 90 dias para entrar em vigor. Dessa forma, a suspensão promovida com a Lei nº 122/06 jamais poderia ter vigorado imediatamente.
Desoneração A tese foi aceita pelo Tribunal de Justiça gaúcho. De acordo com o desembargador Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, cujo voto foi o vencedor, o ICMS não tem por finalidade o aumento da carga tributária, mas justamente desonerar o contribuinte. Por ser um imposto não-cumulativo, o ICMS permite o creditamento do valor pago a título de imposto na entrada da mercadoria, sendo abatido este do valor a título de ICMS que é pago na saída da mercadoria.
Por essa razão, o magistrado considerou que as sucessivas suspensões eram "incompatíveis com a sistemática legal e constitucional do tributo que estabelece que a não-cumulatividade se realiza por meio do abatimento".
"As sucessivas prorrogações do termo inicial do exercício do direito de abatimento violam a razoabilidade porque as prorrogações, que já se prolongam por mais de dez anos, são incompatíveis com a própria finalidade constitucional da não-cumulatividade. A diferenciação que é feita em relação a certas operações ou a certos bens, para efeito de conceder, limitar, vedar ou protrair o direito de abatimento, não leva à consecução da não-cumulatividade e da finalidade constitucional para qual ela está orientada", afirmou o desembargador.
Segundo afirmou, se nada fosse feito, o legislador continuaria a adiar a aplicação do dispositivo. "Seguindo a mesma lógica, em dezembro de 2010, será editada outra lei complementar para prorrogar novamente a vedação do crédito não se sabe para quando. Em resumo: nunca será possível o crédito, a seguir essa lógica que já vigora há dez anos", protestou.
Outro argumento utilizado pela defesa da empresa varejista diz respeito ao fato de a legislação federal não ter sido regulamentada por lei estadual. "A Lei Complementar nº 87, modificada diversas vezes, precisava ser regulamentada pelos Estados. Muitos, como o Rio de Janeiro e São Paulo, não fizeram isso", explicou Gerson Stocco.
Rio Grande do Sul No caso do Rio Grande do Sul, a lei federal foi regulamentada por um decreto, o que não seria possível. Por essa razão, o TJ gaúcho considerou que houve violação ao princípio da legalidade. "Não tendo o Estado do Rio Grande do Sul, por seu parlamento, editado lei ordinária sobre a prorrogação do termo inicial do exercício do direito de abatimento, o fato é que em face do princípio da legalidade e da tipicidade, não poderia o Estado ter implementado somente por meio de Decreto do Executivo, alterando o regulamento do ICMS, a aludida prorrogação", disse o desembargador.
Gerson Stocco afirmou que essa é uma das primeiras decisões relacionadas à utilização dos créditos de ICMS decorrente do consumo de energia elétrica ou serviços de comunicação. Na avaliação dele, a interpretação adotada pelo Judiciário gaúcho abre precedente importante para que outros contribuintes também sejam beneficiados. "Não só o tempo mínimo para (a Lei 122/06) entrar em vigor deixou de ser respeitado, como também o princípio da legalidade. Essa decisão é importante, pois abre precedente", argumentou o advogado.
GISELLE SOUZA DO JORNAL DO COMMERCIO
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