Para ele, redução da carga tributária só virá se acabar o desperdício do dinheiro público. Aos 71 anos, Ives Gandra da Silva Martins, considerado um dos maiores juristas do País, diz que não está acossado pelo cansaço e faz frente a qualquer desafio em todas as esferas do direito, em especial na área tributária. De seu amplo escritório nos Jardins -bairro da Região Sul da cidade de São Paulo- o advogado concedeu uma entrevista exclusiva para a Gazeta Mercantil onde disparou: "Mais do que uma reforma tributária é preciso fazer uma reforma administrativa. Este governo gasta muito e mal e é evidente que, no futuro, vai precisar de receita para dar conta desse problema."
Para ele, a política de tributação não existe. "Existe uma política de arrecadação e parte do dinheiro vai para os ralos da corrupção, peculato e tudo aquilo que não enaltece o governo." A única maneira de reduzir a carga tributária, segundo ele, é acabando com o desperdício do dinheiro público. "Deveria haver uma racionalização dos gastos públicos." A burocracia fiscal também foi contestada pelo tributarista. "Com uma parafernália de tributos e uma legislação tão complexa é evidente que o País não pode progredir." Ele levantou ainda a falta de conhecimento em matéria tributária por parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). "Dos 11 ministros, que ressalto a qualidade de todos, nenhum têm conhecimento aprofundado em questões tributárias." Veja a seguir os principais pontos da entrevista.
Gazeta Mercantil - É possível reduzir o peso dos tributos com uma reforma tributária?
Ives Gandra da Silva Martins - A reforma tributária é muito importante, mas o mais importante é uma reforma administrativa. Se o governo gasta muito e gasta mal é evidente que ele vai precisar de receita. E vai continuar fazendo não uma política tributária, mas mera política de arrecadação. O governo federal não está preocupado com a legalidade da imposição nesses tributos, que muitas vezes não são constitucionais, exclusivamente para fazer caixa para cobrir esta série de despesas que vem realizando. E, inclusive e infelizmente, foi revelado o ano passado que o procurador-geral da República apresentou denúncias no STF afirmando que parte desse dinheiro é malbaratado e está servindo para corrupção, peculato e tudo aquilo que não enaltece o governo.
Gazeta Mercantil - Empresários e tributaristas questionam a cobrança de tributos sobre faturamento. Qual a sua opinião?
Ives Gandra - Na verdade o Imposto de Valor Agregado (IVA) é um imposto que nasceu logo após a II Guerra Mundial, na França. E hoje todos os países da União Européia adotam o IVA, um imposto que incide sobre a circulação de bens e serviços. O que vale dizer que se o faturamento é a decorrência de circulação de bens e serviços é porque tem que ser faturado por conta da saída de mercadorias. A Europa conseguiu colocar o IVA para 25 países. Nós temos o IPI, ICMS, ISS, Cofins, PIS, Cide e diversos outros que representam 5% do PIB europeu. Temos sete incidências e eles têm apenas uma, em um PIB 20 vezes maior do que do Brasil.
Gazeta Mercantil - Quais seriam as saídas para se reduzir a carga tributária ?
Ives Gandra - Duas saídas. Em primeiro lugar deveria haver uma racionalização dos gastos públicos. Não ao desperdício de dinheiro público. Deveria se ter coragem de se enfrentar determinados problemas. A Previdência Social é um deles. O governo, eleitoralmente, resolveu dar um aumento do salário mínimo quando na verdade grande parte das empresas do País já negociam acordos coletivos de trabalho em convenções. Há salários muito superiores ao mínimo por conta desses acordos. As contas da Previdência e o aumento do mínimo ficaram muito acima da inflação. Quem ainda não se aposentou está exercendo sua atividade com valores acordados entre sindicatos patronais e sindicatos coletivos. Desta maneira está resolvido o problema. No que diz respeito a aposentadoria não. O impacto é imediato.
Gazeta Mercantil - O Brasil tem um grande problema de burocracia fiscal e percebemos que quem paga é o empresariado.
Ives Gandra - Com uma parafernália de tributos e uma legislação tão complexa é evidente que o País não pode progredir. Hoje, temos quatro grandes inconvenientes. Tributos muitos superiores a de países emergentes. Carga em torno de 38% enquanto que na maioria dos países emergentes está em 20%. O segundo ponto é a burocracia. Tudo aqui é difícil. O terceiro ponto é a legislação extremamente complexa. Legislação complexa permite compulsão. Quando fiscais exigem coisas por fora, corrupção quando o contribuinte procura comprar o fiscal, sonegação quando o cidadão procura não pagar os tributos porque não suporta. O cidadão declara, quer pagar mas não tem dinheiro.
Gazeta Mercantil - O STF tem mudado entendimentos históricos relacionados a tributos. O que o senhor entende por isso?
Ives Gandra - Complexidade, mudança conceitual e a falta de um especialista em questões tributárias. Dos 11 ministros, que ressalto a qualidade de todos, nenhum têm conhecimento aprofundado em questões tributárias. Não há uma teoria definida ainda sobre decadência e prescrição e não temos ainda uma doutrina sobre contribuições e intervenções de domínio econômico. Temos sim decisões pontuais. Estou convencido da contínua modificação da composição do Supremo em primeiro lugar. Em segundo lugar pela extrema complexidade de toda a legislação e todo o sistema tributário inserido na Constituição. Em terceiro pelas próprias modificações constitucionais em matéria de sistema tributário que o Congresso tem apresentado. Quarto lugar são os excessos de processos que o STF tem e que faz com que nenhum dos ministros tenha tempo para se debruçar em profundidade sobre qualquer assunto.
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Data: 13/12/2006