Recente decisão da Primeira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo merece consideração nesta coluna. A ementa, reproduzida pelo Boletim da AASP 2.477, está assim redigida: "EXECUÇÃO FISCAL - Verba honorária. Exceção de pré-executoriedade apresentada, onde se discute a existência de pagamento integral do débito cobrado pelo Fisco Estadual. Extinção da ação de execução fiscal, acolhendo-se a referida exceção, carreando-se à Fazenda o pagamento da verba honorária. Apelação interposta contra tal decisão. Cabimento da referida condenação. Precedentes jurisprudenciais. Condenação correta, fixados os honorários com moderação. Recurso desprovido (TJSP).
Tratava-se de execução fiscal de débito fiscal já pago. Em exceção de pré-executoriedade, o contribuinte demonstrou que não havia mais crédito fiscal de titularidade do governo do estado. Não obstante, a Fazenda prosseguir com o processo. A sentença de primeiro grau acolheu a exceção e extinguiu a execução, condenando a Fazenda em honorários por prosseguir na execução de débito, não obstante a prova inequívoca do pagamento.
Recorreu a Fazenda da verba honorária, sob a alegação de que exercera apenas no direito de defender o interesse público, não tendo melhor sorte que aquela que já tivera junto ao juízo singular.
O desembargador Wanderley J. Federighi assim se manifestou, no voto, para justificar a manutenção da sentença: É fato que o art. 26 da Lei 6.830/80 determina que a execução fiscal será extinta, sem qualquer ônus para as partes, se, antes da decisão de 1º Instância, se der o cancelamento da inscrição da dívida, a qualquer título. Entretanto, não é o que ocorreu no caso presente. Houve extinção da ação de execução fiscal, por meio de sentença, não chegando, o Fisco a se insurgir contra a referida extinção em essência, mas apenas no tocante a esse aspecto pecuniário, colateral à referida extinção".
A decisão promove a verdadeira justiça tributária, em país em que os direitos do contribuinte são pouco respeitados. À evidência, São Paulo deveria ter desistido da execução, com o que se beneficiaria da pacífica jurisprudência do STJ, consubstanciada nos acórdãos elencados por Theotonio Negrão: "Extinguindo-se a execução por iniciativa dos devedores, ainda que em decorrência de exceção de pré-executividade, devida é a verba honorária.".
"Havendo contraditório na exceção de pré-executividade, não há razão alguma para afastar o cabimento da verba honorária, configurada a sucumbência diante do julgamento de improcedência." [STJ - 3a T., REsp 296.932-MG, Rel. Min. Menezes Direito. J. 15/10/2001, não conheceram, v.u., DJU 4/2/2002, p. 349]. No mesmo sentido: STJ -6ª. T., REsp n° 411.321 -PR, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 16/5/2002, deram provimento, v.u., DJU 10/6/2002, p. 285) (Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor".
A insistência em tentar cobrar débito já pago, na esperança de que alguma falha na defesa do contribuinte permitisse o recebimento em dobro do tributo devido, teria mesmo que ser punida, como foi, pela condenação em verba honorária.
A meu ver, em que pese o respeito que tenho pela Procuradoria do Estado, casos como esse ensejariam até mesmo punição como litigante de má-fé, pois cada vez que o Estado não respeita direitos fundamentais do contribuinte, violando-os -e os direitos instituídos no princípio da legalidade são cláusulas pétreas-, deve ser punido, principalmente quando, tendo conhecimento dos fatos inibidores de sua ação, continua pretendendo mudar os fatos para se beneficiar de um confisco tributário. Entendo que devam começar a ser aplicadas ao Poder Público penalidades nos termos previstos no artigo 18 do CPC. A atitude de tentar cobrar aquilo a que não faz juz em nada engrandece o governo, visto que sua autoridade deve começar pelo respeito às leis e à Constituição.
Se o Poder Público passar a ser punido, sempre que se houver temerária e levianamente na defesa de interesses ilegítimos, certamente abandonará práticas que transformam suas prerrogativas em arbitrariedade, prejudicando o contribuinte e o próprio Estado, por fazer atuar o aparato judicial desnecessariamente.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 8)(Ives Gandra da Silva Martins - Professor emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e Escola de Comando e Estado Maior do Exército, presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária (CEU).)
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Data: 13/12/2006