Interessante sentença proferida pela 4ª Vara do Trabalho de João Pessoa, Estado da Paraíba, acolhendo parcialmente ação de obrigação de fazer, para o fim de proibir a utilização de arquivos e documentos eletrônicos sigilosos de propriedade da empresa, que haviam sido remetidos do e-mail corporativo do empregado para uma conta de e-mail pessoal.
4ª VARA DO TRABALHO DE JOÃO PESSOA/PB
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER
PROC. Nº 00840.2007.004.13.00-1
AUTORA: AMBEV – COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS
RÉU: R. P. L.
I - RELATÓRIO
Vistos etc.
AMBEV – COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS, devidamente qualificada na inicial, ajuizou ação de obrigação de não fazer em face de R. P. L., alegando, em síntese, que fora este seu empregado no período de 09/04/2001 e 01/08/2007, exercendo a função de “Staff de Qualidade”.
Denuncia que, pouco antes do término do seu contrato de trabalho, encerrado a pedido, valendo-se da condição de exercente de função de confiança, com acesso a arquivos digitais sigilosos, o réu burlou o regulamento da empresa e o sistema de segurança e remeteu correspondências eletrônicas para o seu email pessoal, a elas anexando diversos documentos contendo informações confidenciais relacionadas aos negócios dela autora.
Pediu a antecipação dos efeitos da tutela de mérito, para que fosse determinado ao réu se abster de utilizar a documentação suprimida dos seus arquivos.
Requereu, ainda, que o processo tramitasse em segredo de justiça.
Procuração e documentos às fls. 28-256.
Deferida a antecipação dos efeitos da tutela de mérito e o segredo de justiça, conforme decisão às fls. 257-260.
Devidamente notificado, o réu apresentou defesa às flS. 271-276, pedindo a improcedência total da ação, bem como reconvenção às fls. 288-292, pela qual requer a condenação da reconvinda ao pagamento de uma indenização por danos morais, no importe de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
Procuração e documentos apresentados às fls. 269, 277-281 e 293-298.
Impugnação às fls. 301-316, com documentos às fls. 317-323.
Contestação à reconvenção às fls. 335-358, suscitando a reconvinda a carência de ação do reconvinte, por impossibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade ativa ad causam, e a ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, por defeito de
representação. No mérito, pede a improcedência da reconvenção. Procuração e documentos às fls. 359-366. Impugnação ao benefício da justiça gratuita às fls. 367-373. Contraditório do réu às fls. 387-389 e 390-393.
Petição da autora às fls. 406-413, impugnando os fundamentos expostos pelo réu nas petições às fls. 387-389 e 390-393.
Ouvidas as partes e as testemunhas apresentadas às fls. 417-420. Sem mais provas, foi encerrada a instrução, com razões finais em memoriais pela autora, rejeitada a última proposta de conciliação.
O réu apresentou razões finais de forma intempestiva, sendo-lhe devolvida a petição, conforme certidão à fl. 446.
É o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 DA AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER
Relata a autora, na peça de ingresso, que o réu foi seu empregado no período de 09/04/2001 e 01/08/2007, exercendo a função de “Staff de Qualidade”, sendo responsável por todo o seu sistema de qualidade, inclusive liberação de insumos e produtos.
Afirma que, em razão da função de confiança exercida pelo réu, tinha ele livre trânsito nos seus arquivos digitais, inclusive os de acesso restrito, como também participava de reuniões gerenciais.
Aduz, outrossim, que o réu pediu demissão do emprego em 01/08/2007, alegando “motivos superiores”, conforme documento à fl. 62.
Denuncia, entretanto, que o seu Departamento Técnico constatou ter ele, pouco antes de pedir
demissão, em 23/07/2007, remetido dez mensagens eletrônicas a partir da sua conta de email corporativa jprpl@ambev.com.br, com destino para o endereço jprpl@yahoo.com, nas quais estavam anexados 463 arquivos digitais, de propriedade dela autora e de natureza confidencial, já que relativos à gestão dos seus negócios, inclusive informações sobre produtos, marcas e planos estratégicos.
Argumenta, ainda, que o réu tinha plena ciência do regulamento dela autora acerca da utilização dos sistemas eletrônicos corporativos, inclusive quanto à proibição da retirada de material que contivesse informações relativas às suas atividades empresariais.
Finaliza afirmando que o réu, após o desate contratual, foi admitido por uma de suas maiores concorrentes, fabricante do refrigerante Coca-cola, circunstância que lhe causa maior apreensão com o uso indevido dos documentos retirados do seu sistema.
Diante desses fatos, asseverando que houve transferência ilícita de informações confidenciais e sigilosas envolvendo os seus negócios e constantes nos seus bancos de dados, a autora pleita a imposição de obrigação de não fazer ao réu, sob pena de multa diária, para que este se abstenha de utilizar ou divulgar o referido material.
Em defesa, o réu não nega que remeteu as mensagens citadas na petição inicial, inclusive com os documentos referidos anexados. Afirma, contudo, que o fez com objetivo de concluir tarefas determinadas pela autora, à época sua empregadora, que não seriam possíveis de realizar no
ambiente de trabalho, em razão da elevada carga de trabalho.
Assegura que o fato era rotineiro e de conhecimento dos seus superiores, bem como que não usou os tais documentos de forma irregular, tendo eliminado os arquivos muito antes do ajuizamento da presente demanda (fl. 275). Diz, ainda, que utilizou o email pessoal para o destino dos documentos, porque o email corporativo não poderia ser aberto fora do ambiente da autora.
Com razão a autora.
Ao depor, disse o réu que fora convidado para trabalhar em favor do fabricante da Coca-cola, no vizinho Estado de Pernambuco, no dia 23/07/2007, e que após a resilição do seu contrato de trabalho com a autora, foi por aquele contratado, o que se deu a partir de 02/08/2008.
Nesse contexto, verifica-se, de logo, que a contratação do réu pelo concorrente da autora se deu no dia seguinte ao desate do pacto anterior, ocorrido em 01/08/2008. E mais, que a transmissão dos arquivos digitais de sua propriedade foi realizada no mesmo dia em que o réu disse ter sido convidado para assumir o novo emprego. Tudo aconteceu no curto período de aproximadamente uma semana.
A tese da defesa, por outro lado, além de absolutamente inverossímil, caiu por terra com o depoimento do próprio réu e da testemunha que apresentou.
Em primeiro lugar, o reclamante tinha plena ciência das restrições impostas pela empresa para a utilização dos documentos de sua propriedade, pois recebeu uma cópia do Código de Conduta de Negócios e se comprometeu a cumprir as suas diretrizes, conforme recibo à fl. 96.
Em segundo lugar, não conseguiu ele esclarecer, ao depor, que tipo de trabalho estaria desenvolvendo para a sua empregadora, no período de 23/07 a 01/08/2007, que justificasse a remessa dos 463 arquivos digitais em questão. É pouco crível, por sinal, levando-se em conta o volume e a diversidade de dados contidos nesses arquivos, que o argumento da defesa, nesse sentido, tenha algum fundo de verdade.
Ademais, o próprio réu confessou em audiência que obteve os arquivos não só para a realização de trabalhos determinados pelo sua empregadora, mas também para “consulta pessoal”, e lançou flagrante contradição com os termos da inicial, quando asseverou que os tais arquivos digitais ainda permanecem à sua disposição, em conta de email pessoal (fl. 418).
Como se não bastasse, embora as testemunhas ouvidas tenham admitido que poderia ocorrer no ambiente da autora, à época em que o réu lhe prestava serviços, a transferência de arquivos digitais para a conclusão de trabalhos na residência do empregado, foram taxativas quando afirmaram que os arquivos relacionados a padrões técnicos eram de manipulação restrita e não poderiam ser transferidos
eletronicamente.
É indiscutível que o conhecimento criado a partir das ações tecnológicas desenvolvidas pela empresa, agregam valor à organização, constituindo o seu patrimônio intelectual e integrando o chamado acervo imaterial.
A autora demonstrou nos autos que zela com extremo rigor por esse seu patrimônio, exercendo controle sobre todas as ações dos seus empregados no sistema informatizado que gerencia a sua atividade. Tanto é assim que facilmente identificou a transferência de arquivos feita pelo réu.
A conduta deste, por sua vez, violou frontalmente as regras que se obrigou a cumprir em razão do contrato de trabalho. Mais ainda, violentou sem piedade o princípio da boa-fé que devem as partes contratantes obediência, não apenas no curso do pacto laboral, mas antes, no chamado período pré-contratual, e depois de sua existência.
A lealdade, no caso relatado nesses autos, foi deixada à margem pelo trabalhador, que se valeu da confiança que lhe era depositada pelo empregador para lançar mão, indevidamente, no seu patrimônio.
Por mais que tente o réu afirmar o contrário, o contexto dos fatos narrados nestes autos, notadamente a coincidência entre as datas do convite para o novo emprego, em fábrica concorrente, e a transferência de arquivos digitais contendo métodos gerenciais e padrões técnicos da outra, revela de forma inescondível o seu objetivo: utilizar os dados armazenados nos documentos em questão para a sua atuação profissional, quiçá apenas como forma de impressionar o novo empregador, o que não retira a natureza ilícita da sua conduta.
Aliás, o intento de manter um banco de dados para consulta pessoal foi até mesmo por ele confessado em audiência (fl. 418), sendo certo que, já ciente da saída dos quadros da autora, as consultas a que se referia só poderiam ser feitas para proveito do seu então futuro empregador.
Enfim, como posto, procede o receio da autora de que o seu patrimônio imaterial seja utilizado
indevidamente, devendo ser imposta ao réu obrigação de não fazer, consistente na abstenção de uso ou divulgação, sob qualquer de suas formas, até mesmo para consulta pessoal, do conteúdo dos arquivos digitais que retirou do sistema de informática daquela, em 23/07/2007, conforme descrição às fls. 109-214, confirmando-se em parte a antecipação dos efeitos da tutela de mérito deferida às fls. 257-260.
Saliente-se, entende este Juízo não ser possível o deferimento integral do pedido, como requerido, para abstenção “…da divulgação ou aproveitamento de toda e qualquer informação obtida da autora, por qualquer meio ou processo…”, pois dessa forma estar-se-ia ampliando demasiadamente a tutela inibitória para além dos limites da litiscontestatio.
A ação, portanto, é parcialmente procedente.
II.2 DA RECONVENÇÃO
II.2.1 DAS QUESTÕES PROCESSUAIS
II.2.1.1 DA AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO – IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO
Afirma a reconvinda que o advogado signatário da petição de ação reconvencional não tem poderes
para tanto, já que a procuração à fl. 293 teria sido passada especialmente para contestar a ação de obrigação de não fazer.
Sem maiores delongas, conquanto o instrumento de mandato em tela se refira especificamente à apresentação de contestação, seria extremado rigor, não compatível com o processo do trabalho, entender-se que limitaria a atuação do causídico mandatário a esse ato processual.
Além do mais, o reconvinte compareceu à audiência à fl. 381 acompanhado do mesmo advogado que subscreve a petição da ação reconvencional, caracterizando o mandato tácito, amplamente aceito na Justiça do Trabalho.
Não há, portanto, a irregularidade denunciada. Rejeita-se.
II.2.1.2 DA CARÊNCIA DE AÇÃO, POR ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM
A reconvinda suscita a presente preliminar, argumentando que o reconvinte não tem legitimidade para pleitear indenização por danos morais fundada em invasão de domicílio, tendo em vista que não se encontrava na sua residência no momento em que se deu o cumprimento do mandado de busca e apreensão, mas apenas a sua esposa e o seu genitor.
Sustenta, ainda, que também não é ele parte legítima para o referido pleito, relativamente à suposta violação de correspondência, considerando-se que a conta de email da qual foram extraídas as informações não era de sua propriedade.
Sem razão.
Primeiramente, em consonância com a reelaborada teoria do direito abstrato de agir, as condições da ação devem ser aferidas nos planos lógico e abstrato, a partir da simples leitura da exordial. Em outras palavras, na linguagem do mestre Kazuo Watanabe, essa verificação deve ser efetuada com abstração das possibilidades com as quais o julgador vai se deparar em sede de mérito.
Nesse sentido é o ensinamento definitivo de LIEBMAN, citado por José Carlos BARBOSA MOREIRA, in verbis: … todo problema, quer de interesse processual, quer de legitimação ad causam, deve ser proposto e resolvido admitindo-se, provisoriamente e em via hipotética, que as afirmações do autor sejam verdadeiras; só nesta base é que se pode discutir e resolver a questão pura da legitimação ou do interesse.1 Na hipótese em apreço, o reconvinte afirma que a reconvinda patrocinou a invasão do seu domicílio e violou sua correspondência eletrônica. É o que basta para firmar-se a sua legitimidade para figurar no pólo ativo da demanda, ficando para o mérito a análise da procedência, ou não, do pedido, inclusive sob o aspecto da propriedade da conta de email de onde foram extraídas as informações que deram origem ao presente litígio.
Ademais, o fato de o reconvinte não se encontrar em sua residência no momento em que se cumpriu o mandado de busca e apreensão, não lhe retira a legitimidade para discutir eventuais danos morais decorrentes desse ato, pois o ilícito, caso existente, seria caracterizado pela simples invasão de domicílio, independentemente de estar o reconvinte a ele presente, ou mesmo de ter alguém no interior da residência nessa ocasião. Rejeita-se.
II.2.1.3 DA CARÊNCIA DE AÇÃO, POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
A reconvinda sustenta, em preliminar, que o pedido exordial é juridicamente impossível.
A impossibilidade jurídica, condição da ação cuja ausência leva à extinção do processo, sem resolução do mérito (CPC, art. 267, inciso IV), deve ser avaliada em abstrato, sendo a que decorre de veto existente no ordenamento jurídico à pretensão deduzida.
Logo, não deve ser acolhida a preliminar, neste caso, pois não há nenhum óbice legal para a sua
discussão em juízo.
Na verdade, a reconvinda confunde matéria de mérito com preliminar de condição da ação, pois questão dessa ordem não enseja violação de norma de direito material, como tenta fazer crer.
Rejeita-se.
II.2.2 DO MÉRITO
Em ação reconvencional, pleiteia o reconvinte a condenação da reconvinda ao pagamento de uma indenização por danos morais, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), sob duplo fundamento: invasão de domicílio e violação de correspondência.
Segundo alega, prepostos da reconvinda, “valendo-se de um mandado judicial”, invadiram a sua
residência, sem pedir autorização, em busca de equipamentos de informática, ultrapassando os limites da ordem judicial e atingindo a sua honra e dignidade.
A reconvinda sustenta que apenas observou o que constava no mandado judicial expedido nos autos de ação de busca e apreensão em trâmite na Justiça Comum Estadual, não tendo praticado ato ilícito.
Da análise dos autos, observa-se que o acontecimento tido pelo reconvinte como invasão de domicílio se deu por ocasião do cumprimento de diligência determinada judicialmente, conforme decisão às fls. 362-365.
A busca efetuada na residência do reconvinte, ao contrário do que alega, não se deu por “prepostos” da reconvinda, mas por peritos do juízo e por Oficiais de Justiça, acompanhados do advogado por esta constituído, na forma prescrita na decisão judicial já citada.
Nesse contexto, não se pode atribuir à reconvinda, ex-empregadora do reconvinte, a prática de
ilícito, em razão desse ato. Em primeiro lugar, o ajuizamento da ação de busca de apreensão se deu no exercício de direito que lhe é constitucionalmente assegurado, sem qualquer excesso. Em segundo lugar, não há nenhuma prova nos autos de que os peritos do juízo ou os oficiais de justiça, ou mesmo o advogado contratado pela reconvinda, tenham praticado algum abuso no momento do cumprimento da diligência, sendo certo que a autorização para ingressarem na residência do reconvinte estes já possuíam, em razão do mandado judicial, até mesmo com o uso de força policial.
Saliente-se, por outro lado, caso houvesse a prática do ato ilícito denunciado, não teria ele pertinência direta com a relação de emprego outrora existente entre os contendores, mas tão-somente com a relação processual formada no juízo cível. Enfim, a reconvenção, sob o prisma trabalhista, seria improcedente de qualquer forma.
No que tange à aludida violação de correspondência, teria acontecido, segundo o reconvinte, pelo fato de ter a sua ex-empregadora tomado conhecimento do conteúdo de mensagens enviadas a partir de sua conta de email corporativa, rompendo o sigilo assegurado pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XII.
Aduz que, embora se tratasse de conta corporativa, a sua natureza seria pessoal, pois só ele empregado teria senha de acesso.
Malgrado algumas discussões a respeito desse tema, nascidas a partir da própria existência da
mensagem eletrônica, o colendo TST já se posicionou firmando entendimento no sentido de que o monitoramento de conta de email corporativo, assim entendido aquele disponibilizado pelo empregador ao empregado com ciência de que deverá ser utilizado exclusivamente para o desempenho das atividades laborais, não viola a Constituição Federal, artigo 5º, incisos X e XII.
Na ocasião, o Ministro João Oreste Dalazen enfatizou que “os direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, dizem respeito apenas à comunicação estritamente pessoal. O email corporativo, concluiu, é cedido ao empregado e por se tratar de propriedade do empregador a ele é permitido exercer controle tanto formal como material (conteúdo) das mensagens que trafegam pelo seu sistema de informática.” (2)
Na verdade, o email ofertado pelo empregador para utilização em serviço tem natureza de
ferramenta de trabalho (CLT, art. 458, § 2º). De modo que, quando ofertado com a finalidade de uso apenas para fins profissionais, está sujeito a vigilância e controle do empregador, como qualquer outro instrumento utilizado pelo empregado no dia-a-dia da prestação laboral.
Na esteira desse posicionamento, portanto, entende este Juízo que não há como se reconhecer o direito constitucional à privacidade na utilização do email corporativo.
Conclui-se, enfim, que no caso dos autos, sob o enfoque da violação de correspondência, também não é de se acolher o pedido de indenização por danos morais.
A reconvenção é totalmente improcedente.
III - DA JUSTIÇA GRATUITA
Concede-se a justiça gratuita ao réureconvinte, conforme postulado, na forma da CLT, artigo 790, § 3° (3), considerando, ainda, o disposto na OJ n° 331 da SBDI-1 do Colendo TST4.
Saliente-se, as condições para o gozo desse benefício são, nos termos da Lei 1.060/50, que o postulante receba salário igual ou inferior ao dobro do salário mínimo ou que declare não estar em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.
No caso dos autos o deferimento se escora na segunda hipótese, sendo certo que não produziu a autorareconvinda prova no sentido de reverter a presunção em favor da declaração da parte beneficiada. Diga-se, en passant, o simples fato de possuir o trabalhador nível escolar superior e auferir salário aproximado a R$ 2.000,00 (dois mil reais) não evidencia, por si só, condições de pagar as despesas processuais sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.
IV – DO SEGREDO DE JUSTIÇA
A tramitação em segredo de justiça foi requerida pela autora sob o fundamento de que se discutiam neste feito a remessa de dados confidenciais e sigilosos relativos ao seu processo produtivo. A providência foi adotado na decisão às fls. 257-260. Não obstante, verifica-se que as provas produzidas nos autos e os fatos que vieram à tona não revelam qualquer informação que possa ser merecedora do sigilo processual, medida que atualmente tem caráter de excepcionalidade.
Note-se, embora o debate nestes autos circunde em torno da remessa de documentos contendo dados do processo produtivo da autora, em momento algum foi revelado o conteúdo desses documentos, até porque absolutamente desnecessário para o deslinde da controvérsia.
Em sendo assim, não se justifica, neste caso, a confidencialidade do processo, pelo que fica
reconsiderada a decisão que deferiu a tramitação em segredo de justiça.
V - CONCLUSÃO
Ante o exposto, resolve este Juízo:
1. julgar procedente em parte a ação de obrigação de não fazer proposta por AMBEV – COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS em face de R. P. L., para que este se abstenha do uso ou da divulgação, sob qualquer de suas formas, até mesmo para consulta pessoal, do conteúdo dos arquivos digitais que retirou do sistema de informática da autora, em 23/07/2007, conforme descrição às fls. 109-214, confirmando-se em parte a antecipação dos efeitos da tutela de mérito deferida às fls. 257-260.
2. Rejeitar as preliminares de irregularidade de representação e carência de ação, por ilegitimidade ativa ad causam e impossibilidade jurídica do pedido, e, no mérito, julgar improcedente a ação reconvencional ajuizada por R. P. L. em face da AMBEV – COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS.
Para a hipótese de descumprimento da tutela inibitória concedida, ficam estabelecidas astreintes no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Concedida justiça gratuita ao réureconvinte.
Reconsiderada a decisão que deferiu a tramitação do presente feito em segredo de justiça, retire-se da capa a informação respectiva e atualize-se no sistema de acompanhamento processual.
Custas no importe de R$ 200,00 (duzentos reais), calculadas sobre R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor arbitrado, pelo réu-reconvinte, das quais fica dispensado, na forma da lei.
Notifiquem-se as partes.
E para constar foi lavrada a presente ata que vai assinada na forma da lei.
João Pessoa, 14 de março de 2008.
Marcello Wanderley Maia Paiva
JUIZ DO TRABALHO
(1) in “Legitimação para agir. Indeferimento da petição inicial”, publicado in “Temas de direito processual - 1ª série”, São Paulo:Saraiva, 2ª ed., 1.988, p. 200.
(2) TST, RR – 613/2000-013-10-00, DJ - 10/06/2005
(3) É facultado aos juizes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.
(4) Desnecessária a outorga de poderes especiais ao patrono da causa para firmar declaração de insuficiência econômica, destinada à concessão dos benefícios da justiça gratuita.
Sentença - PB - 00840.2007.004.13.00-1
Posted: 26 Sep 2008 10:00 PM CDT