Somente um lobby muito poderoso poderia estimular práticas danosas à sociedade. Mais de R$ 2,6 milhões em prêmios foram distribuídos pelo Governo da Bahia a cerca 627 instituições que participaram da nona etapa do projeto de educação tributária. Segundo o governador Paulo Souto, "a otimização da arrecadação tributária favorece investimentos, principalmente em saúde e educação, e facilita o cumprimento de compromissos com organismos internacionais que financiam obras de infra-estrutura".
Neste contexto a Associação Brasileira da Indústria de Formulários, Documentos e Gerenciamento da Informação (Abraform) tem na educação tributária sua principal vertente. Tal meta , segundo o secretário da Fazenda, Albérico Mascarenhas, está sendo atingida graças à população, que aprendeu a exigir a nota ou cupom fiscal, e ao empresariado, que emite o documento.
Desde o lançamento, em junho de 1999, o projeto já arrecadou 429,5 milhões de notas e cupons, contabilizando R$ 22,876 milhões em prêmios. "A mentalidade do cidadão baiano tem mudado muito", declarou o governador, afirmando que as pessoas têm reivindicado mais os seus direitos.
O sucesso do Projeto Sua Nota está evidente nos números. Em sua nona etapa, foram arrecadados 57,1 milhões de notas e cupons fiscais, quebrando o recorde de 54,7 milhões do mesmo período do ano passado. Ainda nesta fase, o projeto bateu o recorde em número de instituições premiadas, atingindo a marca de 627 entidades sociais e de saúde.
O bom exemplo da Bahia justifica oportuno alerta às autoridades de todo o Brasil: caso seja implantado o Convênio ICMS 10/05, em fase de regulamentação pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o documento fiscal, hoje impresso em gráficas licenciadas, será emitido por impressão a laser e em uma simples folha de papel em branco.
Segundo especialistas consultados, se isto ocorrer, haverá o maior derrame de notas fiscais frias da história do Brasil. A quem pode interessar isso? Estive no Confaz e pude depreender que o fisco está estudando uma forma de simplificação do documento fiscal. Contudo, esta sistemática tornará a arrecadação muito frágil.
As associações nacionais como Abraform, Abigraf e ABTG, através de seus técnicos, concluíram que o papel descrito no Convênio ICMS 10/05 pode ser simulado em larga escala, de forma caseira. A Polícia Federal, inclusive, conclui que a fiscalização deverá estar treinada para identificar as fraudes e simulações, o que até o momento não ocorreu.
Além da possibilidade de comprometer a segurança e a integridade do processo de circulação de mercadorias. o convênio irá acarretar a perda de aproximadamente 16 mil empregos em todo o Brasil, apenas em uma primeira etapa. Esta sistemática simples de impressão facilitará a circulação de notas fiscais inidôneas, que serão um mecanismo facilitador para a evasão fiscal e o aumento do roubo de cargas, que movimenta bilhões em interesses ilegítimos.
Neste sentido, somos favoráveis à posição da Diretoria da Polícia Federal, que sugeriu aos estados a adição de maior número de itens de segurança para a impressão de notas fiscais e não recomendou o uso de papel em branco para ser convertido em documento.
A Abraform vem, ao longo dos anos, defendendo soluções dignas e seguras para confecção de notas e impressos fiscais. Porém, a solução prevista no Convênio 10/05, além de não oferecer a mesma segurança do processo atual, beneficia somente duas multinacionais: a Arjo Wiggins Fine Papers Limited e a Hewlett-Packard (HP).
As associações de classe, como Abraform e Abigraf, manifestam-se de forma contrária ao convênio, pois conhecem os impactos negativos em toda a cadeia tributária, produtiva e social. Ao Ministério Público cabe ação efetiva e um estudo sério em defesa do Estado.
É do nosso conhecimento que somente os estados de São Paulo, Ceará, Tocantins, Paraná e Pernambuco se posicionaram fortemente contra este convênio. Minas Gerais se absteve de votar. Contudo, alguns outros estados estão sendo alertados, uma vez que vêm apoiando a aprovação. Um alerta: as estruturas estaduais e suas respectivas fiscalizações não estão preparadas e organizadas para trabalhar com esta realidade.
Não podemos esquecer que, em 1993 e 1994, em virtude destes mesmos riscos, o Confaz criou o Formulário de Segurança, que deve ser impresso e controlado pelo sistema de segurança Gráfico, descartando e proibindo o uso de papel em branco como nota fiscal.
Mas que lobby poderoso é este, que chega a afrontar o bom senso e estabelece um monopólio no fornecimento de papel para impressão de documentos fiscais, um material comum, que pode ser simulado por agentes químicos, conforme definiu a Diretoria do Instituto Nacional de Criminalística? Que lobby poderoso é este que vai deixar governos bem-intencionados sem ação contra a miséria?
Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos
Advogado da Abraform, membro da ONS 27, organismo nacional e para o Mercosul de normatização da área gráfica. |