Marco Aurélio vota contra monopólio dos Correios
por Vicente Dianezi
Um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa interrompeu, nesta quarta-feira (15/6), o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade do monopólio dos serviços postais que vem sendo exercido pela ECT — Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Já haviam votado os ministros Marco Aurélio Mello, relator da matéria, que decidiu pela quebra do monopólio, e Eros Grau, que abriu divergência entendendo que os serviços postais devem ser prestados exclusivamente pelo estado.
A Corte foi provocada por uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental impetrada pela Abraed — Associação Brasileira das Empresas de Distribuição. Segundo os advogados da entidade, a Constituição de 1988 não teria recepcionado a Lei 6.538, de 1978, que regulamentou o monopólio. Por conta dessa lei, as empresas privadas têm sido pressionadas, inclusive com força policial, uma vez que, além de definir o monopólio, o texto prevê multa e detenção para quem furar o bloqueio da União.
Marco Aurélio produziu um extenso voto no qual fez uma profunda retrospectiva histórica da participação do estado na economia. Para o ministro, a presença do estado se justificava, inclusive em outros setores, como mineração, siderurgia e telecomunicações porque “não havia empresa com capacidade operacional e técnica suficiente para prestar o serviço em todo o território nacional”. O ministro afirmou que não se podem confundir interesses corporativos com nacionalismo e ressaltou a importância da eficiência na prestação dos serviços.
Segundo Marco Aurélio, a ECT, no ano passado, apresentou um déficit operacional de aproximadamente R$ 500 milhões, que foram cobertos pelos bons resultados de suas aplicações financeiras. Apontou ainda que, ao contrário dos operadores privados internacionais, a empresa contrata 35 aeronaves para a prestação dos serviços, mas não conta com nenhum aparelho em sua frota de veículos.
A discussão localizou-se na questão da natureza dos serviços postais. Seria um serviço público e, portanto, a ser prestado exclusivamente pelo estado, ou uma atividade econômica que permitiria a livre concorrência? Para Marco Aurélio, não há dúvidas de que se trata de atividade econômica, uma vez que a ECT, no período de 1990 a 1994, celebrou perto de 2 mil contratos de franquias com a iniciativa privada. E fez isso mesmo sem autorização constitucional ou talvez porque, segundo o ministro, já percebera que não se tratava mais de serviço público.
Marco Aurélio lembrou que a tendência da quebra do monopólio já se manifestara, em 1993, na frustrada revisão constitucional, relatada pelo então deputado Nelson Jobim, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal. Recordou ainda que, em 1999, o governo passado enviou ao Congresso Nacional, anteprojeto de lei que estabelecia o marco regulatório do setor, abrindo-o para a concorrência. O texto, na época, contou com parecer favorável do hoje ministro Eros Grau, encomendado pela presidência da empresa.
Com essa referência Marco Aurélio contava com o voto de Grau, cujo parecer nunca foi publicado. No entanto, segundo a votar, o ministro abriu a divergência. “Serviço postal é serviço público por definição constitucional”, afirmou Grau. Segundo ele, trata-se da mesma natureza dos serviços de saúde e educação, cuja prestação pela iniciativa privada é excepcionalizada na Constituição. Segundo o regimento do Tribunal, o ministro Joaquim Barbosa terá um prazo 40 dias depois do qual a matéria deve voltar à pauta de julgamentos.
Defesa oficial
A defesa do monopólio estatal dos serviços postais foi feito pelo advogado-geral da União, ministro Alvaro Augusto Ribeiro Costa. O advogado-geral argumentou que os serviços postais têm natureza pública e não econômica.
A Constituição Federal determina em seu artigo 21, inciso X, que compete à União manter o serviço postal e o correio aéreo nacional. Esses serviços têm natureza pública do tipo privativo, na medida em que podem ser prestados por particulares mediante concessão ou permissão, conforme dispõe o artigo 175, da Constituição. Portanto, os serviços postais são serviços públicos, da alçada do Poder Público Federal.
A defesa elaborada pela AGU considera ainda que o STF já afirmou e reafirmou a natureza de serviço público das atividades prestadas pela ECT, seja para reconhecer a impossibilidade de penhora de seus bens, seja para reconhecer em seu favor a existência de imunidade tributária recíproca.
Leia a íntegra do voto do ministro Marco Aurélio
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 46-7 DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
ARGUENTE(S): ABRAED - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE DISTRIBUIÇÃO
ADVOGADO(A/S): DAURO LÖHNHOFF DÓREA E OUTRO(A/S)
ARGUIDO(A/S): EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT
ADVOGADO(A/S): LUCIANA FONTE GUIMARÃES E OUTROS
INTERESSADO(A/S): SINDICATO NACIONAL DAS EMPRESAS DE ENCOMENDAS EXPRESSAS
ADVOGADO(A/S): EMILIA SOARES DE SOUZA
INTERESSADO(A/S): ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE TRANSPORTE INTERNACIONAL - ABRAEC
ADVOGADO(A/S): JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIM E OUTROS
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Esta argüição de descumprimento de preceito fundamental, em que formulado pedido de concessão de medida acauteladora, foi formalizada, apontando–se como argüida a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, vinculada ao Ministério das Comunicações. Consigna-se o objetivo de reparar lesão a diversos preceitos fundamentais contidos na Constituição Federal. Então, discorre-se sobre a legitimidade da argüente, associação de abrangência nacional, a representar os interesses das empresas de distribuição, conforme previsto nos artigos 2º do Capítulo I e 5º do Capítulo II dos Estatutos Sociais, contando com associados nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Maranhão, Paraná, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Piauí, Amazonas, Distrito Federal e outros. Afirma-se a legitimidade por se encontrar a argüente no rol das associações que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. Quanto à pertinência temática, alude-se às finalidades estatutárias e à matéria versada na inicial, no que é buscada a preservação da livre iniciativa, da livre concorrência, tal como dispõem os artigos 1º, inciso IV, 5º, inciso XIII, e 170, cabeça e inciso IV e parágrafo único, todos da Constituição Federal. Ter-se-ia o envolvimento de lei anterior à vigente Constituição Federal e atos, contrários ao Diploma Fundamental em vigor, emanados do Poder Público, perpetrados via Empresa Pública Federal de Correios e Telégrafos. Segundo o sustentado, inexiste meio eficaz de sanar a lesividade, dizendo-se dos reflexos de medidas relativamente às empresas associadas e que estão em todo o território nacional, no total de cerca de quinze mil, com mais de um milhão e duzentos mil empregados. Aduz-se que as ações judiciais se sucedem e que há de ser observado o princípio da subsidiariedade. Cita-se o que veiculado pelo ministro Celso de Mello na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 17 bem como pelo ministro Gilmar Mendes em artigo sobre o tema, argumentando–se com a ausência de outro meio eficaz para tornar prevalecentes os ditames Constitucionais. Então, assevera-se:
a) os atos praticados pela argüida têm fundamento em lei anterior à Constituição de 1988, o que afasta a possibilidade de ajuizar–se ação direta de inconstitucionalidade;
b) os conflitos enfrentados pelas associadas da argüente e a insegurança jurídica hoje reinante em relação aos serviços postais somente podem ser cessados por meio de medida coletiva, com efeitos abrangentes, de modo a pacificar as relações judiciais mantidas pelas associadas, irradiando–se a toda sociedade.
A seguir, em tópico intitulado “dos fatos”, relata-se a criação, no território nacional, de diversas empresas de distribuição, visando a atender à demanda do mercado de serviço de logística, movimentação de materiais, manuseio, distribuição de malotes, revistas, periódicos, pequenas encomendas, leitura e entrega de conta de luz e gás e outras atividades autorizadas pelos entes federativos – União, Estados e Municípios, sendo que em momento algum as empresas pretenderam entregar ou distribuir cartas, entendidas essas como correspondência de cunho pessoal, íntimo e sigiloso. Ter-se-ia iniciado “uma verdadeira cruzada nacional para expurgar a concorrência e banir do mercado todas as empresas congregadas pela argüente (na verdade, todas as empresas do ramo de distribuição) sob o argumento de que a argüida possuiria o monopólio postal absoluto e, assim, toda e qualquer correspondência, seja ela uma lista telefônica, uma conta de luz ou uma encomenda, estaria sob o conceito de carta, ou seja, papel escrito metido em envoltório fechado, que se envia de uma parte a outra para comunicação entre pessoas distantes; manuscrito fechado com endereço (Dicionário Brasil Contemporâneo)” (folha 10). Aponta-se como objetivo único de tal empreitada a eliminação da livre concorrência e do primado da iniciativa privada, buscando–se o desempenho exclusivo e a liberdade total de preços. Assevera-se que somente se tem monopólio nas atividades taxativamente referidas no artigo 177 da Constituição Federal e que as decisões sobre o tema vêm variando, ora concluindo o Judiciário pela existência do monopólio postal, ora pela necessidade de manutenção do serviço postal. As empresas de distribuição estariam sob ameaça de fechamento, muito embora prestando serviços de qualidade, a preços competitivos, gerando empregos e recolhendo impostos, tudo ocorrendo com a aprovação dos entes federativos.
A seguir, na inicial, procura–se demonstrar a inexistência do monopólio postal, à luz da Carta 1988. Alude-se às transformações decorrentes da passagem do tempo e cita-se não só Celso Ribeiro Bastos, como também Ives Gandra, ressaltando o primeiro que “nos dias atuais, o próprio serviço postal assume tão variadas modalidades que seria até mesmo um desatino e um contra-senso admitir-se que uma única empresa concessionária de serviço público pudesse prestá-lo em todas as suas variadas externações”. O trecho citado, do saudoso constitucionalista, tem o seguinte fecho: “a intromissão da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em áreas em que ela não é bem–vinda, pois não requisitada pelos próprios usuários, é não só uma tentativa de fazer valer o monopólio que a Constituição não consagra, como também a implementação de um execrável precedente marcado por uma racionalidade econômica na qual não é lícito supor-se possa traduzir-se o interesse coletivo”. O texto de Ives Gandra revela que “o correio aéreo nacional só se justifica, hoje, para atender aquelas áreas do País aonde não chegam as linhas regulares”. Estar–se–ia confundindo manutenção de certo serviço pela União – do serviço postal nacional – com o monopólio. São mencionados constrangimentos sofridos pelos associados da argüente – de notificações a clientes quanto à ilegalidade da atuação, passíveis de punições civis e criminais, a medidas de busca e apreensão e condução de empregados a delegacias policiais. À folha 15, vê-se quadro exemplificativo de empresas acionadas, processos em curso e respectivas conseqüências.
A análise sobre os preceitos fundamentais tidos como violados faz-se após referência ao voto do ministro Néri da Silveira no julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1, quando Sua Excelência assentou que “cabe exclusiva e soberanamente ao STF conceituar o que é descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição, porque, promulgado o texto constitucional, é ele o único, soberano e definitivo intérprete, fixando quais são os preceitos fundamentais, obediente a um único parâmetro – a ordem jurídica nacional, no sentido mais amplo. Está na sua discrição indicá-los”. Mencionam–se lições de André Ramos Tavares, em “Tratado de Argüição de Preceito Fundamental” e remete-se ao Direito português, nas ópticas de Canotilho e Vital Moreira acerca do que se entende como princípio fundamental, aludindo-se, mais, ao ensinamento de José Afonso da Silva em “Curso de Direito Constitucional Positivo”.
À luz da livre iniciativa, evoca-se o fato de a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos brandir lei da época da ditadura, visando ao afastamento de empresas legalmente constituídas, sob o pretexto de ter a exclusividade, o monopólio. Quanto à liberdade do exercício de qualquer trabalho, argumenta-se que a norma do inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal tem por finalidade a formação do mercado, excluídas apenas atividades ilícitas ou os casos em que não se faça presente a qualificação profissional. No tocante à livre concorrência, à livre iniciativa, pondera-se que o limite é o abuso do poder econômico que objetive a dominação dos mercados, a eliminação de concorrentes e o aumento dos lucros – artigo 173, § 4º, do Diploma Máximo. Os atos praticados pela argüida implicam, segundo o sustentado, violência aos preceitos fundamentais referidos, buscando a intimidação de empregados, diretores e clientes das empresas associadas. As medidas para banir do ramo de distribuição a livre iniciativa, a livre concorrência, e impedir o desenvolvimento do ofício estariam compreendidas na política nacional desenvolvida pelo Ministério das Comunicações e seguida à risca pelos dirigentes da Empresa Brasileira de Correios, com alegado esteio no artigo 9º de lei anterior a Carta, ou seja, a Lei nº 6.538/78, no que dispõe:
Art. 9º - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais:
I - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal;
II - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada:
III - fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal.
§ 1º - Dependem de prévia e expressa autorização da empresa exploradora do serviço postal;
a) venda de selos e outras fórmulas de franqueamento postal;
b) fabricação, importação e utilização de máquinas de franquear correspondência, bem como de matrizes para estampagem de selo ou carimbo postal.
§ 2º - Não se incluem no regime de monopólio:
a) transporte de carta ou cartão-postal, efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica, em negócios de sua economia, por meios próprios, sem intermediação comercial;
b) transporte e entrega de carta e cartão-postal; executados eventualmente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento.
Passa-se à interpretação sistemática dos artigos 21, inciso X, 22, inciso V, e 170 da Constituição Federal, salientando-se ser a livre iniciativa e a livre concorrência verdadeiros princípios constitucionais. Reportando–se ao artigo 177 da Lei Fundamental, diz–se constituir exceção o monopólio de atividades, descabendo ampliar, conforme ressaltado por José Afonso da Silva, o elenco referido na Carta da República. Após o exame do serviço postal, de maneira a se lhe elucidar o caráter – se de serviço público ou de atividade econômica –, remete-se a parecer de Luiz Roberto Barroso publicado na Revista de Direito Administrativo de outubro/dezembro de 2000, no qual o autor revela que, em todo o mundo, a prestação de serviço postal não pressupõe o exercício de um poder estatal, bem assim no direito objetivo brasileiro. Sob a perspectiva constitucional, ao menos desde a década de 60, não se contaria com o enquadramento do serviço postal como serviço público, havendo sido o marco da alteração a transformação do Departamento de Correios e Telégrafos – DCT, em 1968, em empresa pública. Conclui o jurista, naquele parecer, tratar-se não de serviço público, mas de exploração de atividade econômica, aspecto a afastar o óbice à atuação de particulares. Com a vigência da Constituição Federal de 1988, delimitadas teriam restado as áreas em que presente o monopólio. Em tal sentido também entendera Celso Ribeiro Bastos, consoante veiculado no seguinte trecho transcrito à folha 29:
Não tendo havido previsão constitucional de monopólio da União para as atividades de serviço postal, tem-se que este pode ser exercido também pelos particulares, em observância aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência. Todos os casos não previstos no artigo 177 não são de monopólio dos entes estatais, em específico a União, porque tal dispositivo é numerus clausus, uma vez que representa exceção aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência. Sendo a Lei nº 6.538 do ano de 1978, ao entrar em vigor a Constituição Federal de 1988 foi tal lei revogada no que se refere ao monopólios nela estabelecidos. Destarte, claro está que inexistente o chamado monopólio estatal. Logo ilegais e violadores dos preceitos fundamentais apontados os atos praticados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, bem como inconstitucional a Lei nº 6.538/78 pois revogada tacitamente pela Carta Política de 1988.
Após aludir-se à fala do então ministro das Telecomunicações Miro Teixeira, em entrevista concedida em 27 de fevereiro de 2003 ao Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão – no sentido de que “novas tecnologias facilitarão a quebra do monopólio” – e do Secretário de Assuntos Postais, Marcelo Perrupato, em reportagem da revista Isto é Dinheiro, de 19 de março do corrente ano, sobre a existência de cerca de quinze mil empresas de distribuição no Brasil e a falta de impedimento, às filiadas da argüente, para administrar correspondência comercial, pleiteou-se a concessão de liminar, remetendo-se a lições de Liebman, citado por Humberto Teodoro Júnior, quanto ao escopo da medida – de “satisfazer provisoriamente o interesse geral jurídico de assegurar a paz na convivência social ou evitar a perda ou a deterioração de bens econômicos ou, ainda, obstar a lesão ou ameaça de lesão a direitos, em virtude do perigo na demora natural dos processos judiciais e a alteração do equilíbrio de força entre as partes” (folha 32). Assegurando-se existente o sinal do bom direito e o risco de se manter com plena eficácia o quadro, pediu–se “a suspensão de todo e qualquer processo, bem como de decisões judiciais, que versem sobre a matéria objeto da presente argüição, expedindo-se os ofícios respectivos aos Tribunais Regionais Federais, informando–os de tal decisão, haja vista não haver como, nesta peça, individualizar todos os feitos em trâmite o Poder Judiciário, em todo o território nacional, versando sobre esse tema” (folha 36). Caso assim não se entenda, requer–se seja concedida a liminar “unicamente para as associadas da argüente, impedindo que sejam vítimas das ações da argüida até o julgamento final desta argüição”, e, sucessivamente, que se “permita às associadas da argüente, até o julgamento final da ação, o livre exercício das atividades constantes em seus respectivos contratos sociais, sem qualquer constrangimento por parte da argüida” (folha 37). O pedido final está desdobrado, às folhas 37 e 38, para:
a) reconhecer–se “a violação aos preceitos fundamentais da livre iniciativa, da livre concorrência e do livre exercício de qualquer trabalho, como exaustivamente apontado nesta peça, perpetradas por atos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Poder Público)”;
b) declarar–se, “nos termos do artigo 11 da Lei nº 9.882/99, a inconstitucionalidade da Lei nº 6.538/78, especialmente sobre a questão do monopólio de entrega de correspondências”;
c) também nos termos do artigo 11 da Lei nº 9.882/99, tendo em vista a relevância da matéria, declarar–se o que se entende por carta cuja entrega, por motivo de segurança e privacidade, continua sendo prerrogativa da argüida, restringindo–se tal conceito “ao papel escrito, metido em envoltório fechado, selado, que se envia de uma parte a outra, com conteúdo único, para comunicação entre pessoas distantes, contendo assuntos de natureza pessoal e dirigido, produzido por meio intelectual e não mecânico, excluídos expressamente deste conceito as conhecidas correspondências de mala–direta, revistas, jornais e periódicos, encomendas, contas de luz, água e telefone e assemelhados, bem como objetos bancários como talões de cheques, cartões de créditos, etc”.
Então, requereu-se fossem intimados a manifestar-se sobre a ação o excelentíssimo Ministro da Comunicações, à época o Senhor Miro Teixeira, o Presidente da argüida, à época o Senhor Airton Dipp, o Procurador-Geral da República, como também qualquer outra autoridade, a critério do Tribunal. Com a inicial, vieram os documentos de folha 40 a 545.
À folha 548, despachei, tendo em conta a necessidade de autenticação das peças anexadas. A argüente peticionou, declarando a autenticidade das cópias acostadas à inicial e requerendo a juntada de documentos. Às folhas 571 e 572, tornei a despachar, aludindo à circunstância de se ter a anexação de cópias diversas não constantes de processo.
Acompanharam a petição de folhas 574 e 575 originais e cópias autenticadas.
Instei a argüente a providenciar cópia da inicial (folha 892), ordenando, às folhas 895 e 896, a citação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, devendo-se ouvir também o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República. Eis o teor do despacho (folha 895 e 896):
ADPF – MANIFESTAÇÕES – ARGÜIDA – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO – PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA.
1. Cite-se a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, ouvindo-se o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República - § 2º do artigo 5º da Lei nº 9.882/99.
2. Esclareço que o processo ficou entre os que aguardam exame, não havendo sido percebida a fase. Considere-se o extravagante número dos distribuídos semanalmente.
3. Publique-se.
Com a petição de folhas 902 e 903, insistiu a argüente na apreciação do pedido de concessão de medida liminar, ao que determinei fossem aguardados os pronunciamentos.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos trouxe ao processo a manifestação de folha 909 a 974. Preliminarmente, ressalta a ilegitimidade ativa da argüente, conforme precedentes da Corte, no sentido de ser restrita tal atuação aos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade e assevera que “não se reconhece natureza de entidade de classe àquelas organizações que, congregando pessoas jurídicas, apresentam-se como verdadeiras associações de associações” (folha 919). Segue-se a análise da natureza do serviço postal, reportando-se a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos aos artigos 21, inciso X, e 22, inciso V, da Constituição Federal, no que revelam caber à União manter o serviço e sobre ele legislar. O Decreto-Lei nº 509/69, que veio a criar a empresa pública federal encarregada do serviço estaria a encerrar o regime de monopólio, prevendo a Lei nº 6.538/78 sanções para os infratores do monopólio. No artigo 47 da citada lei, constaria a definição de carta. Afirma a argüida que o serviço postal tem caráter público, qualificado pela Constituição Federal como necessário, sendo um dever do Estado. Procurando estabelecer distinção entre o serviço postal, no que asseverado público, e o serviço de saúde e educação – quando a Carta, mediante os artigos 196 e 205, consigna o dever do Estado e a abertura à livre iniciativa –, aponta a Empresa que tais serviços – de saúde e educação – deixam de ser públicos, uma vez implementados por particulares. No caso do serviço postal, contar–se–ia com os três requisitos necessários à caracterização como público: a) o desenvolvimento de atividade de interesse coletivo, b) a presença do Estado e c) o procedimento de Direito Público. Após dizer da generalidade, uniformidade, continuidade e regularidade do serviço, afirma a argüida que, desde a Constituição de 1891, cumpre ao Estado o poder-dever ou o dever-poder de manter o serviço postal e o correio aéreo nacional, ante o interesse de toda a coletividade. Daí a União haver criado empresa pública para implementá–lo. Argumenta ser entidade estatal delegada. Referindo–se às lições de Cirne Lima sobre as pessoas administrativas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e ao magistério de Celso Antonio Bandeira de Mello acerca dos tipos fundamentais de empresas públicas – prestadoras de serviços públicos e exploradora de atividade econômica –, entende estar compreendida na primeira espécie, não se lhe aplicando as disposições do artigo 173 e parágrafo da Constituição Federal de 1988. Reporta-se à visão de Geraldo Ataliba sobre não haver, no caso, exploração de atividade econômica e ao que decidido no Recurso Extraordinário nº 172.816–7/RJ e no Mandado de Segurança nº 21.322–1/DF, relatados pelo ministro Paulo Brossard, no que apreciada a questão das empresas públicas constituídas para prestação de serviço público. Menciona mais o que assentado pelo Plenário no Recurso Extraordinário nº 220.906–9/DF, sob o ângulo da execução via precatório, remetendo ao voto do ministro Maurício Corrêa. O Tribunal teria considerado a prestação do serviço como pública. Alude ainda à decisão da Segunda Turma, da lavra do ministro Carlos Velloso, no sentido de a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ser prestadora de serviço público, estando alcançada pela imunidade tributária recíproca – Recurso Extraordinário nº 407.099–5/RS. Assevera que o serviço postal não perde a natureza e o regime públicos ante a delegação a uma empresa pública.
Data: 15/12/2006