Em julho de 1996, foi sancionada a Lei nº 9.296 que admitiu a quebra do sigilo telefônico mediante autorização judicial e para fins penais. Sem a existência de Lei autorizando a quebra do sigilo telefônico, a prova colhida até então não ostentava aptidão para condenar o pior dos criminosos, além de ser crime quem a colhesse (art. 151, § 1º, II, do Código Penal), como decidiu o STF no Acórdão 69.912, Rel. Min. Pertence, o que se reafirmou quando do Julgamento do Ex-presidente Fernando Collor de Melo[1].
Hoje, o ordenamento jurídico pátrio, através da Lei nº 9.296/96, estabeleceu as hipóteses de cabimento da medida excepcional, pregando, ainda, que a decisão autorizativa da invasão na intimidade alheia deve delimitar o objeto da investigação, bem como os investigados, alvo da interceptação.
No entanto, como as normas constitucionais de eficácia limitada geram alguns efeitos jurídicos negativos imediatos, na medida em que vinculam o legislador infraconstitucional aos seus comandos (efeito impeditivo de deliberação em sentido contrário ao da norma constitucional), temos que a Lei que disciplinou a interceptação telefônica ficou adstrita aos requisitos mínimos constantes da Carta Magna, quais sejam:
• Exigência de autorização judicial;
• Que a interceptação seja realizada para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Convém notar que a autorização judicial somente será dispensada em hipótese expressamente prevista no próprio texto constitucional, como na hipótese de estado de defesa (CF, art. 136, §1º, I, c) e estado de sítio (CF, art. 139, III).
A Lei n. 9.296/96, por sua vez, contém os seguintes requisitos legais para a concessão da quebra do sigilo telefônico:
• Ordem do juiz competente para o julgamento da ação principal;
• Indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal: é requisito que, na prática, dificulta a utilização da medida como ato inaugural à investigação criminal, pois, se existem razoáveis indícios de conduta ilícita, já há a possibilidade de formação de inquérito e, portanto, de investigação criminal. Tal requisito demonstra a natureza acautelatória da medida, uma vez que consagra a necessidade do "fumus boni iuris;
• O fato a ser investigado deve ser punido com reclusão: assim, as contravenções penais e os crimes apenados com detenção não comportam a medida;
• A interceptação como único meio disponível: assim, não será permitida quando outros meios de prova mostrarem-se idôneos para o esclarecimento do fato;
• Que tenha por finalidade instruir investigação policial ou processo criminal.
A doutrina é unânime em criticar o Art. 2º, inciso III, que afirma sobre a questão do fato a ser investigado estar apenas relacionado com a pena de reclusão, relatando os seguintes motivos:
• Crimes como furto de coisa de pequeno valor e a apropriação indébita simples ensejam a interceptação, ferindo, deste modo, o princípio da proporcionalidade;
• Contravenções penais como a do jogo do bicho não são passíveis da violação, bem como o crime de ameaça.
Nelson Nery[2] Júnior aduz que, por exemplo, a ameaça e os crimes contra a honra cometidos tão somente por via telefônica poderiam dar ensejo, por ordem judicial, à escuta telefônica, aplicando-se, assim, o princípio da proporcionalidade de "lege ferenda". E com acerto proclama o Mestre, já que "até mesmo a norma defeituosa pode atingir os seus fins, desde que seja inteligentemente aplicada".
A interceptação judicial telefônica só pode ser permitida para viabilizar a produção de prova e, ainda assim, como exceção. A regra é a inviolabilidade da comunicação telefônica.
Ainda, destacamos que o §2º do art. 6º da Lei de Interceptação impõe a autoridade policial a diligência de lavrar um auto circunstanciado contendo o resumo das operações realizadas e encaminhar ao Juiz para que adote as providências do art. 8º da mesma lei.
Os crimes cometidos antes da entrada em vigor da Lei nº 9.296/96, mas que, porém tiveram a decretação da medida cautelar durante a vigência da mesma, estarão sendo apurados dentro de um devido processo legal sem a incidência do disposto no inciso LVI do art. 5º da Constituição Brasileira.
Já os crimes cometidos antes da entrada em vigor da norma e que, no mesmo período, tiveram a decretação da medida cautelar de interceptação telefônica estarão sendo apurados ao arrepio do princípio da Inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, ou seja, farão surgir as provas ilícitas que contaminara todo o processo.
Destarte, não importa se o fato - crime ocorreu antes da entrada em vigor da norma, mas sim, se a decisão judicial foi prolatada durante a vigência da Lei 9.296/96, pois do contrário, a prova será ilícita[3].
Nisto, o valor constitucionalmente protegido pela vedação das interceptações telefônicas é a intimidade. Rompida esta, licitamente, em face do permissivo constitucional, nada mais resta a preservar. Seria uma demasia negar-se a recepção da prova assim obtida, sob a alegação de que estaria obliquamente vulnerado o comando constitucional. Ainda aqui, mais uma vez, deve prevalecer a lógica do razoável[4].
Hoje a jurisprudência entende que não age ilicitamente, encontrando-se acobertado por excludente de antijuridicidade, quem, para provar a própria inocência, grava conversação com terceiro[5].
Sobre a questão da degravação, tal expressão não encontra significado no Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, porém a doutrina entende como sendo a transcrição da gravação telefônica, ou seja, a documentação do meio de prova.
A degravação, portanto, é necessária para que, posteriormente, o acusado ao exercer o contraditório diferido possa tentar demonstrar, por exemplo, que aquela voz não é sua e submetê-la a perícia de espectograma (autenticidade de voz feita por computador).
Processualmente, deferida a requisição com base na Lei nº 9.296/96, a interceptação será mantida em segredo de justiça e autuada em apenso aos autos de inquérito policial ou de processo criminal, onde o auto de interceptação conterá todos os atos realizados, de que forma foram feitos e a degravação da mesma. A estes elementos só terão acesso: o juiz, os auxiliares da justiça, o Ministério Público, as partes e seus procuradores.
Um dos pontos que têm gerado polêmicas atualmente e que também possui relação com as questões que envolvem a aplicação da Lei de Interceptação é o uso de recursos de criptografia que visam à proteção dos indivíduos em suas relações diárias.
Tais recursos têm ganhado cada vez mais destaque em nossa sociedade, trazendo maior segurança principalmente para as empresas e entidades governamentais que necessitam de máximo sigilo de suas comunicações.
Como já mencionamos, hoje, no Brasil, inexiste qualquer norma que proíba ou que regulamente tal matéria, ficando o seu uso livre com algumas exceções, como, por exemplo, no caso de órgão do governo, os quais devem adotar padrões em conformidade com a Medida Provisória nº 2.200/2001.
Até então, tendo por base o uso de criptografia aplicáveis às telecomunicações, como no caso dos aparelhos “anti-grampo”, verifica-se que a interceptação de determinados dados pode ser impossibilitada em face do uso de tal tecnologia. Aqui, relembramos que a regra fundada em nosso texto constitucional é a proteção da privacidade, sendo exceção a interceptação.
Neste sentido, muitos questionam sobre a legalidade de, no caso de uma interceptação telefônica, verificando-se o uso de criptografia por parte do suposto acusado, este ser obrigado a fornecer os recursos necessários à quebra de tal código.
Da mesma forma, no Brasil, os fabricantes de tecnologias baseadas em criptografia e seus distribuidores e demais envolvidos na relação não são legalmente obrigados a efetuar a quebra de códigos que estejam sobre a gerência de um determinado usuário, onde os mesmos, ainda, não são obrigados a dispor dos meios necessários para viabilizar a possibilidade de quebra de uma determinada informação que esteja criptografada.
Destacamos neste ponto que apenas as operadoras de serviço de telecomunicações devem suspender o sigilo das comunicações que trafegam em sua rede por meio de uma determinação judicial que detenha os requisitos necessários e que esteja em conformidade com o texto constitucional em com a Lei nº 9.296/96, que regulamenta a interceptação telefônica no Brasil.
Portanto, ressaltamos que a Constituição Federal garante o direito do acusado em permanecer calado, onde, analogamente, se determinado documento criptografado constituir uma prova contra este, o mesmo tem o direito de se recusar a fornecer a chave privada às autoridades. Tal raciocínio, no entanto, já se aplica nos casos de documentos físicos que estejam, por exemplo, escondidos, mas que o acusado sabe onde está ou como acessá-lo.
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[1] Ação Penal n. 307-3, DF, Rel.Min. Ilmar Galvão,DJU de l3.l0.95, pg.34247.
[2] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 5.ed.rev.ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
[3] O Supremo Tribunal Federal já sufragou este entendimento no Acórdão nº 69.912, de 16/12/93 cujo Relator foi o Ministro Sepúlveda Pertence.
[4] AS NULIDADES NO PROCESSO PENAL, 6ª Edição, Ed. RT, pag. 194.
[5] RJTJSP 138/26.
Recomendações de leitura:
COELHO, Luís Alberto Carlucci. Aspectos da Lei de Interceptações Telefônicas . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 42, jun. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=196>. Acesso em: 13 maio 2007.
COIMBRA, Valdinei Cordeiro. Interceptação telefônica como prova emprestada em processo administrativo disciplinar . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 935, 24 jan. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7872>. Acesso em: 13 maio 2007.
RANGEL, Paulo. Breves considerações sobre a Lei 9296/96 (interceptação telefônica) . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=195>. Acesso em: 13 maio 2007.
ADIERS, Leandro Bittencourt. Notas sobre os sigilos telefônico, profissional e bancário e sua interpretação no STF e STJ . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2685>. Acesso em: 13 maio 2007.
MARCÃO, Renato. Interceptação telefônica ilegal: organização criminosa oficial (?). Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 594, 22 fev. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6330>. Acesso em: 13 maio 2007.
CASTRO, Eveline Lima de. Interceptação telefônica face às provas ilícitas . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3274>. Acesso em: 13 maio 2007.
COSTA JÚNIOR, Dijosete Veríssimo da. Escuta telefônica: análise constitucional, processual penal e jurisprudencial do art. 5º, XII, da Constituição Federal. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=194>. Acesso em: 13 maio 2007.
PORCINO, Wellington Clay. Sobre a dispensabilidade da transcrição integral dos diálogos em uma interceptação telefônica . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 594, 22 fev. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6332>. Acesso em: 13 maio 2007.
LIMA NETO, José Henrique Barbosa Moreira. Da Inviolabilidade de dados: inconstitucionalidade da Lei 9296/96 (Lei de interceptação de comunicações telefônicas). Jus Navigandi, Teresina, ano 1, n. 14, jun. 1997. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=197>. Acesso em: 13 maio 2007.
LINHARES NETO, Benon. Da escuta telefônica clandestina . Jus Navigandi, Teresina, ano 1, n. 15, jun. 1997. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=192>. Acesso em: 13 maio 2007.
Data: 21/05/2007