Ele dispensa luvas, pinças e lupas. No mundo virtual, é como mouse e o teclado que recolhe pistas para incriminar os ciberpiratas.
Nada de economistas, analistas financeiros ou contadores. Pouca gente sabe, mas um dos responsáveis por reunir provas para desmascarar uma das maiores fraudes bancárias da história do Brasil foi um perito digital.
Em 1996, Paulo Quintiliano, incorporado à Polícia Federal há apenas um ano, se debruçou sobre um quebra-cabeça de códigos para produzir um laudo com detalhes sobre a programação de computador que ajudou os responsáveis pela fraude do Banco Nacional a movimentarem 10 bilhões de reais (em moeda da época) ilegalmente.
“Todos os programas eram desenvolvidos em Cobol, linguagem com a qual trabalhava quando era desenvolvedor”, conta Quintiliano, hoje chefe da divisão do serviço de perícias em informática da Polícia Federal.
Os códigos desvendados pelo perito mostravam os caminhos percorridos dentro do programa do banco para inflar contas abandonadas com débitos milionários, gerando uma falsa aparência de saúde financeira à instituição.
Mas desde que assinou o laudo que ajudou a Justiça Federal do Rio de Janeiro a condenar os réus da família Magalhães Pinto – e toda a diretoria do Nacional – em primeira instância em 2002, muita coisa mudou na rotina de Quintiliano.
Os crimes ligados à computação se multiplicaram, impulsionados pelo crescimento exponencial da internet como ferramenta para aplicar golpes e cometer delitos.
O perito, que em 1995 contava com apenas um parceiro para produzir laudos sobre crimes digitais cometidos em todo o País, hoje comanda uma equipe de 80 profissionais especializados em perícia digital, time que será reforçado com 40 novos membros até agosto deste ano. “E ainda não é o suficiente para darmos uma resposta rápida para a sociedade”, pondera Quintiliano.
E não é para menos. A equipe de peritos digitais da Polícia Digital produz anualmente cerca de 700 laudos técnicos para comprovar crimes cibernéticos, financeiros, exploração de imagens de crianças na internet, fraudes e extorsões, entre outros.
“Crimes virtuais contra instituições financeiras já superam, em volume, os assaltos a banco, por exemplo. É mais lucrativo e tem um risco muito menor”, justifica o perito.
Além disso, os delitos praticados na internet têm mais uma vantagem para os criminosos, que representa uma pedra no sapato dos peritos: “A ação tem que ser rápida porque os provedores não preservam históricos das ações executadas por muito tempo”, conta Quintiliano.
Mas ele avisa aos cibercriminosos: “Tudo que se faz na internet deixa rastros”. O dia-a-dia do perito consiste em investigar essas pistas digitais deixadas pelos hackers, recuperando discos rígidos, examinando sites e e-mails maliciosamente preparados e buscando localizar o computador, e, conseqüentemente o autor, de onde partem os ataques.
O problema, segundo Quintiliano, é que as investigações cruzam as fronteiras, em virtude do caráter internacional da internet.
“Às vezes, as informações que vão comprovar o crime estão lá fora e são protegidas pelo sigilo de cada país. Os procedimentos para obtê-las são burocráticos e em alguns casos levam até seis anos”, conta.
Uma das alternativas para burlar a burocracia, segundo ele, é a colaboração direta entre as forças policiais de cada país.
Quintiliano é o único representante da América Latina no conselho de uma organização chamada International Botnets Task Force, voltada ao combate das redes zumbi, usadas para ameaçar e extorquir empresas com ataques de negação de serviço.
Por isso, recomenda o perito, é preciso manter bons contatos no exterior para se dar bem na profissão.
Aos 44 anos de idade, atua como perito há 10 anos e antes de ingressar na Polícia Federal trabalhou no Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), no Ministério da Agricultura e no Ministério da Justiça, nas áreas de desenvolvimento de sistemas e segurança da informação.
Quintiliano cursou duas graduações – Direito (Universidade do Distrito Federal) e Ciências da Computação (Universidade de Brasília – UnB) –, fez mestrado também em Ciências da Computação (UnB) e doutorado em Processamento de Imagens (UnB).
Para quem esta pensando em ingressar na carreira, recomenda: “É preciso ser curioso, gostar de pesquisar e se interessar por desafios, pois os crimes digitais são cada vez mais sofisticados e diversos. Além disso, é necessário ser persistente. Às vezes passamos semanas para decifrar um arquivo criptografado”, relata.
A recompensa é uma rede mais segura para todos nós.
Data: 06/10/2007