O polêmico projeto de lei contra crimes digitais que tramita no Senado precisa ter seu texto desmembrado, revisado e readequado antes de ir a plenário.
Esta é a opinião de três dos cinco especialistas que participam nesta quinta-feira da audiência pública conjunta da CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) e da CCT (Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática) do Senado, que será realizada em Brasília nesta quarta-feira (4).
A audiência não deve ser aberta ao público, e servirá para que os senadores esclareçam as dúvidas quanto ao conteúdo e teor do projeto antes da votação.
Devem comparecer à audiência o consultor jurídico do Ministério das Comunicações no CGI.br (Comitê Gestão da Internet no Brasil), Marcelo Bechara; o juiz de Direito e componente da Comissão de Tecnologia e Informação do TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), Fernando Botelho; o perito criminal do Instituto Nacional de Criminalística do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, Paulo Quintiliano da Silva; e o presidente da Abranet (Associação Brasileira dos Provedores de Internet), Eduardo Parajo, todos ouvidos pela reportagem. Além deles, foram convidados o diretor-presidente do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Comitê Gestor da Internet no Brasil), Demi Getschko.
A subprocuradora-geral da República, Ela Wiecko V. de Castilho, responsável pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, foi convidada, mas não estará presente ao evento. Ela deve enviar um parecer técnico.
Falta de clareza
O principal ponto de discussão do projeto, segundo os técnicos, é a falta de de clareza na tipificação dos delitos digitais e da implicação criminal e penal.
"Há uma mistura entre as linguagens técnica, parlamentar e jurídica, que precisa ser esclarecida para que os senadores tenham condições de analisar corretamente as atribuições do texto e proceder com as possíveis modificações e propostas", diz o juiz Fernando Botelho.
"Será que os congressistas estão aptos a determinar conceitos como 'o que é código malicioso', e qual a melhor definição para uma proposta de 'criminalização de procedimentos virtuais'? A função deste debate será a de tentar discutir e esclarecer estes pontos", afirma Botelho.
Responsabilidade dos provedores
A dúvida quanto ao nível de conhecimento técnico dos parlamentares também preocupa o presidente da Abranet, Eduardo Parajo. Para ele, o projeto de lei contra crimes digitais "tem potencial para complicar a situação dos provedores de Internet e dos setores de desenvolvimento da rede no Brasil".
"Há ainda complicados problemas jurídicos levantados pela assessoria jurídica da Abranet, como o da maior atribuição de responsabilidade aos provedores e ainda em dimensões que vão além do fornecimento e regulação do acesso à Internet", afirma Parajo. Para ele, os provedores "sequer seriam os mais prejudicados pela lei".
Quem também toca na questão dos provedores é o o consultor jurídico do Ministério das Comunicações.
"Um ponto polêmico e pouco debatido até agora é o da responsabilidade civil dos provedores", afirmou Bechara. "Acredito até que o projeto deveria ficar, neste momento, na questão criminal, deixando a discussão civil para outra oportunidade e até mesmo ser apresentada em um projeto de lei em separado."
Tipificação dos crimes é avanço
Para o perito criminal Paulo Quintiliano, o projeto significaria um avanço sob a ótica da investigação criminal, por tomar a iniciativa de "definir, regulamentar e instituir a punição para muitas condutas nocivas praticadas livremente no espaço cibernético". Ele cita como exemplos o acesso desautorizado a bancos de dados e a sistemas de terceiros, bem como a propagação indiscriminada de programas maliciosos.
"Sem a definição dos tipos penais, estamos de mãos atadas. O projeto é um avanço neste sentido, porque preenche uma série de lacunas existentes e permite enquadrar algumas condutas como infração penal", disse Quintiliano.
Ele ressalva, no entanto, que o texto do projeto é imperfeito, e que a dinâmica tecnológica faz necessário o constante aperfeiçoamento do texto da lei, principalmente para nortear as ações dos profissionais envolvidos na investigação de práticas criminosas no ambiente da Web.
Autor: Eugênio Brito
Data: 15/08/2008 09:19:47