Por Flávia Arbache, do Jornal do Commércio
Entrar em um tribunal e não esbarrar, nos corredores, em carrinhos que transportam pilhas de processos costurados a mão parece uma situação pouco provável, mas o que poderia ser apenas fruto da imaginação começa a dar sinais de que, de fato, não está longe de ser concretizado. Recebimento de petições pela Internet, regulamentação de atos processuais por intermédio de meios eletrônicos, processamento de recursos por e-mail e publicação de decisões judiciais pela rede prestes a ter validade processual são instrumentos que já se tornaram realidade e estão invadindo os tribunais do País como um dos maiores aliados no combate à morosidade da Justiça. A pedra no caminho para o salto de qualidade na prestação jurisdicional é a falta de regulamentação do uso de meios eletrônicos para garantir a validade jurídica dos atos processuais.
A falta de legislação para tratar do tema não tem sido uma barreira para que tribunais adotem medidas internas para atualizar a gestão do Poder Judiciário ao século XXI. Cada um, ao seu modo e dentro das condições estruturais, tem utilizado a informática como recurso imprescindível ao bom andamento da prestação jurisdicional. Ainda que em alguns casos a validade dos meios eletrônicos tenha sido contestada
O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Edson Vidigal, porá em prática o projeto-piloto do Diário da Justiça on line. As decisões judiciais serão publicadas na rede em caráter experimental, enquanto o projeto de lei, cuja relatoria está a cargo do deputado Maurício Rands Coelho Barros (PT-PE), não for aprovado no Congresso. Se a proposta for aprovada, a publicação on line de acórdãos passará a ter validade na contagem dos prazos processuais, com ganho de tempo e economia de recursos financeiros consumidos com a publicação na imprensa oficial.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem dado passos largos na concretização da validade dos atos processuais transmitidos pela Internet. A Instrução Normativa 28 permite às partes, advogados e peritos a utilização do correio eletrônico para a prática dos atos, que, anteriormente, ficava limitada à petição tradicional, a escrita.
A segurança da transmissão de dados é assegurada pela tecnologia de Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileiras (IPC-Brasil), garantindo a autenticidade, integridade e validade jurídica dos documentos. O acesso ao sistema exige o uso da identidade digital, que pode ser obtida em qualquer certificadora credenciada pela ICP-Brasil.
Questionado o recebimento de atos pelo e-mail em Minas
Não são apenas os tribunais superiores que têm virado a página de uma gestão do século passado para o novo milênio. O Tribunal Regional do Trabalho da 3ªRegião (TRT-MG) já utiliza o e-mail como mecanismo para o recebimento de atos processuais, mas surgiram controvérsias quanto à utilização do novo instrumento processual. O conflito ocorreu por causa da falta de assinatura dos recursos.
Uma das frentes de discussão defendeu o uso do correio eletrônico, com a entrega da petição original no prazo legal. A outra considerou a impossibilidade de utilização do e-mail, a menos que houvesse a assinatura digital, que poderia ser obtida com o uso de um scanner e, posteriormente, ser entregue a original no setor de protocolos.
Nesse caso prevaleceu o entendimento de que a lei não exige da parte a assinatura digital por scanner e a envie anexada às razões de recurso. Para o corregedor-geral do TST, ministro Rider Nogueira de Brito, o importante é que as peças tenham o mesmo conteúdo, tanto as enviadas por meio eletrônico quanto as que são entregues no protocolo.
A Lei 9.800/99 tem servido como aparato legal para viabilizar a transmissão de atos processuais digitais por meios eletrônicos. A lei permite que as partes utilizem o sistema de transmissão de dados e imagens por fac-símile, mas a prática esbarra em uma restrição legal: a necessidade de ratificar os atos com a remessa dos documentos originais no prazo de cinco dias ao órgão judiciário.
Outra lei que também veio para servir como peça de encaixe é a dos Juizados Especiais Federais, a Lei 10.259/91. O instituto permite aos tribunais organizar serviço de intimação das partes e recepção de petições por meio eletrônico. Prova disto é a unificação dos processos eletrônicos dos JEFs em todo o País com previsão para abranger as instituições públicas que atuam junto aos juizados.
Unificação dos sistemas processuais eletrônicos
Um grupo formado por representantes da área de Tecnologia da Informação do Conselho da Justiça Federal e dos cinco Tribunais Regionais Federais tem desenvolvido ferramenta para viabilizar a unificação dos sistemas processuais eletrônicos. A intenção será também a de criar um portal na Internet para que cidadãos e advogados tenham como consultar o inteiro teor das decisões.
Representantes da magistratura e operadores do Direito destacam a importância do uso de meios eletrônicos em uma nova fase de gestão administrativa do Poder Judiciário. Para o secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, a Ordem entende que é fundamental para a celeridade processual a urgência da informatização no Poder Judiciário.
No entanto, avalia Britto, a legislação não tem acompanhado o avanço tecnológico, tornando confusa e sem segurança jurídica a utilização dos meios eletrônicos nos atos processuais. "Ora se autoriza, ora se recusa, o que gera receio e medo na utilização desses meios", ressalta.
No último dia 13, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) negou recurso de um advogado que juntou ao processo cópia de decisão publicada no site do TRT da 24ªRegião - Mato Grosso do Sul. De acordo com a relatora, juíza convocada Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro, o documento extraído da Internet não atende às exigências legais, pois é apócrifo (não autêntico), sem cunho oficial.
Ministro alerta para a fragilidade da segurança
O ministro João Oreste Dalazen alertou que os princípios da informalidade e celeridade que regem o direito processual do trabalho não podem frustar o princípio da segurança jurídica. Segundo explicou, os tribunais não podem assegurar a autenticidade dos documentos em seus sites devido à fragilidade da segurança. "As informações contidas nos sites poderiam ser facilmente adulteradas", destacou.
Segundo o diretor de informática da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), juiz Roberto Guimarães Gouveia, a falta de regulamentação é, sem dúvida, o maior problema a ser enfrentado. Além disso, a resistência também contribui para bloquear um avanço mais rápido dos procedimentos digitais.
Gouveia acredita que o sistema on line é suscetível a erros e fraudes, mas, devido à evolução da tecnologia, o meio eletrônico é mais seguro do que o convencional. O magistrado acredita que se faz necessário o avanço também na punição a crimes cibernéticos. "As delegacias especializadas são poucas, presentes nos grandes centros apenas", disse.
Para o advogado Guilherme Abrantes, do escritório Daniel Advogados, as decisões publicadas na Internet não têm validade jurídica, apenas são utilizadas para consulta. No entanto, a tendência será a digitalização dos atos, assim como acontece nos Estados Unidos.
- Ainda hoje, a cultura do papel prevalece com a publicação das decisões no Diário Oficial impresso. Mas é preciso intensificar a conscientização de que os procedimentos realizados pelo meio eletrônico são seguros e que a mudança será irreversível - afirmou Abrantes.
Ajufe defende a informatização do processo judicial
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) defende, desde 2001, a tese da informatização do processo judicial. A entidade apresentou projeto de lei complementar que regulamenta a transferência de informações judiciais por meio eletrônico. O projeto tramitou por todas as comissões e, um ano depois, foi aprovado por unanimidade pela Câmara dos Deputados, sem restrições. De lá para cá, o PL 71/2002 está parado no Senado devido às sucessivas trocas de relator. A senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) é a nova relatora do projeto, nomeada na semana passada.
O anteprojeto tem 12 artigos, regulando a informatização dos procedimentos judiciais e afastando dúvidas relacionadas à validade de atos processuais praticados por meio eletrônico. O uso do meio eletrônico poderá ser aplicado aos processos civil, penal e trabalhista.
De acordo com a proposta, não será mais exigida a apresentação de documentos originais, sendo apenas necessário o credenciamento do requerente junto aos órgãos do Judiciário. Será feito registro do interessado, que receberá senha para garantir o sigilo, identificação e autenticidade dos atos praticados.
O projeto estabelece que o envio de petições, recursos e peças processuais por meio eletrônico será considerado realizado no dia e hora de seu encaminhamento. A publicação será válida quando os dados estiverem disponíveis na Internet, viabilizando a consulta.
Os prazos processuais terão início no primeiro dia útil seguinte ao da publicação on line. As pessoas que já forem registradas, receberão intimações por e-mail com aviso de recebimento eletrônico.
De acordo com o presidente da Ajufe, Jorge Maurique, o objetivo é acelerar o trâmite processual, eliminando procedimentos burocráticos que travam a prestação jurisdicional. No entanto, a informatização pode esbarrar em um outro problema: o da exclusão digital.
A mesma análise é compartilhada pelo secretário-geral da OAB, Cezar Britto. Segundo afirmou, ainda há advogados que não têm computadores em seus escritórios. Esses profissionais continuam a utilizar a máquina de escrever como o principal instrumento de trabalho.
- A OAB desenvolve projetos de inclusão digital. Um deles é relacionado ao financiamento de computadores. Aliás, este tem sido um dilema, pois há a necessidade da informatização do Judiciário que acaba esbarrando com o problema da exclusão digital, refletida em um país com desigualdades sociais - ressaltou Britto.
Data: 10/01/2007