Estimativa é que 16 mil profissionais sejam demitidos com a obrigatoriedade do uso do documento digital
POR VINÍCIUS SOUZA
As gráficas especializadas na impressão de documentos fiscais estão preocupadas com o impacto que a nova nota fiscal eletrônica (Nf-e) terá sobre o setor. A expectativa é que a implantação do arquivo eletrônico com assinatura digital, que promete substituir a tradicional nota fiscal emitida nas operações de compra e venda de mercadorias, represente, no médio e longo prazos, o corte de 16 mil empregos diretos.
"Isso corresponde a um terço dos empregos nas empresas que vivem da produção desses documentos, hoje, no Brasil", calcula Antônio Leopoldo Curi, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Formulários e Gerenciamento da Informação (Abraform). Curi concorda que o processo de modernização é inevitável. "O problema todo será o impacto que a nota fiscal virtual terá sobre o setor", avalia. De acordo com ele, o número de gráficas em operação no país chega a 15 mil, das quais pelo menos 10 mil produzem documentos fiscais.
A Nf-e é inspirada no padrão chileno. No Brasil, foi lançada oficialmente no último dia 30 de março pelas secretarias da Fazenda dos estados de São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e Maranhão, em conjunto com a Receita Federal. Desde então vem sendo testada por 19 grandes empresas.
Para 2007, a meta é a emissão de 30 milhões de notas virtuais por mês, o equivalente a 50% das notas fiscais que poderão ser integradas ao sistema, diz Newton Oller de Mello, diretor-adjunto da diretoria executiva de Administração Tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e líder do projeto NF-e. Mello defende a novidade sob a alegação de que, no caso da cobrança de ICMS, as informações chegarão ao Fisco antes mesmo de os produtos deixarem a indústria. Segundo ele, a empresa que adotar a Nf-e terá redução de custos na emissão de notas, com eliminação de papel e melhoria logística, entre 2% e 5%.
O sistema consiste na emissão on-line da nota fiscal, com a transmissão dos dados do contribuinte via internet para a Secretaria da Fazenda do Estado, que, se não houver erros ou divergências de dados, faz a validação do documento pela própria rede. De posse da autorização, a companhia imprime na hora um documento auxiliar contendo um número (chave de acesso) com o qual será possível fazer a verificação da nota pela rede.
No município de São Paulo, a novidade digital se tornará obrigatória a partir de 1º de agosto para as empresas prestadoras de serviços que faturam mais de R$ 240 mil por ano. A título de estímulo, a prefeitura paulistana concederá ao portador da NF-e o benefício de acumular créditos que poderão abater até 50% do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
OPINIÕES DIVIDIDAS
Com a Nf-e, o governo, é claro, pretende combater a sonegação fiscal. Mas o que ainda divide opiniões é a ferramenta adotada para melhorar a arrecadação de tributos. Uma parcela do mercado acha que o documento digital deve não só estimular o comércio entre empresas via internet (o chamado B2B) como criar novas oportunidades de negócios para softwares e serviços de TI, prevê Flávio Ortêncio, sócio-diretor da Soft Team, especializada em soluções para a área fiscal.
A empresa fatura cerca de R$ 20 milhões por ano e espera fechar negócios equivalentes a R$ 8 milhões, em 2007, com projetos relacionados à nota fiscal eletrônica. Por causa da procura por soluções nessa área, a Soft Team colocou no mercado o Triangulus NF-e, software que gera e envia o documento eletrônico para a Secretaria da Fazenda, segundo as normas definidas no projeto.
Já aqueles que trabalham com impressão de notas fiscais e de formulários contínuos estão apreensivos. "Fornecemos formulários contínuos para mais de 500 clientes ativos que representam cerca de 80% do nosso faturamento. Se a Nf-e tornar-se mesmo obrigatória teremos que demitir os funcionários e fechar a empresa", reage Silvio César Lopez, diretor da gráfica Printform. De acordo com ele, só no Estado de São Paulo são mais de mil gráficas total ou parcialmente dedicadas à impressão de formulários contínuos.
Na Criacom Gráfica, os impressos fiscais respondem por 30% do faturamento. A proprietária, Ângela Maria Todai, mais realista, acredita que a tendência é mesmo tornar os documentos fiscais cada vez mais eletrônicos. Como alternativa, a empresária está redimensionando a Criacom para imprimir materiais de propaganda e de comunicação. "As notas fiscais impressas devem acabar nos próximos quatro ou cinco anos", prevê ela.
Outra que decidiu mudar o foco da sua produção é a Gráfica Três Pontas. "Para não fechar as portas, a empresa se voltou para os impressos promocionais", diz Francisco Lacerda, diretor da Três Pontas, onde as notas fiscais representam de 3% a 4% do seu faturamento atual.
Ricardo Bigatti, sócio-diretor da Brecel Editora e Gráfica, que tem 35% da receita originário do setor de formulário contínuo, afirma que se a NF-e se tornar obrigatória vai fechar este departamento da empresa e demitir um terço dos funcionários. "Para nós será uma catástrofe", afirma.
A Abraform também tem suas restrições. Em nota enviada à redação, Marcos da Cunha Ribeiro, vice-presidente da entidade e presidente da RR Donnelley Moore, declara que "o projeto ainda é fraco, superficial e aumenta o risco de evasão fiscal, além de configurar uma 'reforma tributária branca' e afetar uma categoria com mais de 30 mil empregos diretos". Ao mesmo tempo, acrescenta, "não contempla uma análise mais profunda dos setores atingidos e dos riscos, de modo que não tem a concordância da Abraform".
VANTAGENS COMPETITIVAS
No Estado de São Paulo, calcula-se que são gerados 60 milhões desses documentos por mês, em quatro ou cinco vias, sendo que uma delas deve permanecer arquivada na empresa por cinco anos mais o ano de emissão. Para a fabricante de cigarros Souza Cruz, por exemplo, que emite cerca de 30 mil notas por dia, são mais de 10 milhões de papéis por ano que devem ser guardados por meia década. Na Wickbold & Nosso Pão, são 15 milhões a cada cinco anos.
Carlos Alberto Pinto, diretor da Wickbold, afirma que a adoção da Nf-e é um investimento que a empresa faz na tentativa de legalizar o mercado. "Como atuamos estritamente dentro da lei, teremos vantagens competitivas se nossos concorrentes passarem a também pagar corretamente os impostos", aposta o executivo da Wickbold, que investiu entre R$ 300 mil e R$ 500 mil no projeto.
Com base no cronograma da Wickbold, a fábrica de software da Config Informática, que presta serviços a essa indústria de pães, desenvolveu uma solução integrada ao sistema de gestão da Wickbold para o envio e controle da Nf-e. E o mercado é tão promissor que a Soft Team, parceira da Config, disponibiliza o programa e o serviço de consultoria de implantação para os interessados. Flávio Ortêncio, diretor da Soft Team, diz que o custo médio do software e da consultoria para a implantação da NF-e pela Soft Team varia de R$ 120 mil a R$ 250 mil, dependendo da complexidade e do porte do cliente.
"Mais do que um simples corte nos gastos, o projeto de NF-e tem que ser para os usuários uma oportunidade de investir na evolução tecnológica com vistas em sistemas de Business Intelligence e troca de informações com seus parceiros", argumenta Newton Oller de Mello, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
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Como emitir a Nota Fiscal Eletrônica
1 - Pela internet, a empresa expede um arquivo eletrônico para a Secretaria da Fazenda do Estado com as informações da transação.
2 - No recebimento é feita a certificação digital que confere a autenticidade e a integridade do documento.
3 - Depois de confirmada, a nota estará disponível para que o comprador do produto possa pegá-la, também via web, no site do Fisco.
4 - Para o trasporte da mercadoria, uma simples folha de papel com um códido de barras impresso é usada para verificações em postos fiscais.
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo considera a NF-e inexorável
A Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), desde que foi lançada em 30 de março último, vem sendo testada por um grupo de 19 grandes empresas: BR Distribuidora, Cervejarias Kaiser, Ultragaz, Eletropaulo Metropolitana, Eurofarma Laboratórios, Ford, GM, Volkswagen, Petrobras, Gerdau Aços Longos, Office Net do Brasil, Robert Bosch, Sadia, Siemens, Souza Cruz, Telefonica, Toyota, Wickbold, Dimed (Distribuidora de Medicamentos). Para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a mudança para os meios digitais é mesmo inexorável e traz, sim, benefícios para os contribuintes. "A Fiesp tem, claro, uma preocupação com todos os setores que representa, inclusive o da indústria gráfica, mas temos que ter uma visão mais macro da economia", analisa o assessor jurídico da entidade, Helcio Honda. "Há poucos anos, todas as pessoas físicas e jurídicas recebiam anualmente os formulários e manuais para a declaração do imposto de renda em papel, e vemos hoje uma mudança com o IR pela Internet que obviamente teve impacto na indústria gráfica, mas não matou o setor."Para ele, a readequação dos tributos para o sistema digital é uma evolução natural, que cada vez mais atinge todos os níveis da sociedade e que trará vantagens tanto para a população como para o governo e a indústria, na medida em que diminuir a sonegação e o chamado "custo Brasil".
"Diferente das notas fiscais em papel, é impossível emitir uma NF-e falsa, porque ela exige uma validação pelo Fisco e uma assinatura eletrônica inviolável, antes de ser enviada ao destinatário", explica Honda, para quem, "com isso, o destinatário da nota tem sempre certeza de que está recebendo um documento real de uma empresa idônea e não corre o risco de ser autuado pela Receita Federal e glosado para crédito, e muito menos de ser processado por conivência com crime fiscal ou até mesmo falsificação ideológica".
Já para Marcos Ribeiro, da Associação Brasileira da Indústria de Formulários, Documentos e Gerenciamento da Informação (Abraform), pode-se repetir o que aconteceu com o Convênio ECF 01/98, de 25 de fevereiro de 1998, que implementou o Emissor de Cupom Fiscal. "Vendido como imune a fraudes, o sistema acabou oferecendo oportunidades maiores de sonegação, evasão e elisão fiscal", afirma. "Será que querem repetir a dose?", questiona Ribeiro.
O projeto de nota fiscal eletrônica (NF-e) resulta da cooperação firmada entre a Receita Federal e as secretarias estaduais e municipais de Fazenda. Começou a ser implantado no início de abril de 2006. O programa-piloto, que começou por São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e Maranhão, implica a implantação da NF-e por 19 empresas autorizadas, por serem grandes emissoras e representarem os principais setores que movimentam a economia.
Segundo a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, as notas fiscais emitidas entre empresas, os modelos 1 e 1A, são a base para o recolhimento de alguns impostos estaduais como o ICMS e também do IPI federal. Somente no Estado de São Paulo, todos os meses são gerados cerca de 60 milhões desses documentos em quatro ou cinco vias, das quais uma deve permanecer na empresa por cinco anos mais o vigente. Pode não parecer muito, mas em companhias que possuem um grande número de clientes é um volume bastante considerável.
Para a fabricante de cigarros Souza Cruz, por exemplo, que emite cerca de 30 mil notas por dia, são mais de 10 milhões de papéis por ano que devem ser guardados por meia década. Na Wickbold & Nosso Pão, são 15 milhões a cada cinco anos. Nessas empresas, a substituição das notas 1 e 1A por documentos eletrônicos que podem ser arquivados em um único CD ou fita DAT pode representar não somente economia, como também agilidade no tratamento dessas informações. Da mesma forma, para o Fisco, o envio de documentos digitais seguros pode facilitar a fiscalização e inibir a sonegação. Este é o conceito por trás do projeto de Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) que reúne a Receita Federal e Secretarias da Fazenda de seis estados e começou a ser implantado em maio para emissão via internet de 340 mil NF-es por mês e plano para 3 milhões a partir de agosto. Já no ano que vem, a meta é emitir 30 milhões/mês.
Data: 13/12/2006