Além de recorrer a métodos censuráveis para alargar o saturado mercado de trabalho para os bacharéis em direito, tentando obrigar cidadãos e empresas a contratar serviços legais de que não necessitam, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) está agora apelando para expedientes ainda mais condenáveis.
A pretexto de combater autoridades que violam as “prerrogativas” da corporação, a seccional paulista criou há dois anos uma “lista negra” que já tem mais de 180 nomes. Em sua maioria, são juízes, desembargadores, promotores e procuradores. Mas a lista também inclui jornalistas, delegados, policiais, serventuários judiciais, gerentes de banco, vereadores da capital e do interior e até uma Câmara Municipal completa – a da cidade de Mogi-Guaçu.
Essas pessoas foram incluídas na “lista negra” da OAB/SP por se recusarem a receber advogados ou por não terem acolhido reivindicações por eles encaminhadas. A entidade argumenta que os incluídos na lista praticaram “atos incompatíveis com o exercício da advocacia”. Na prática, o que a corporação quer é retaliar quem não cede a pressões de seus integrantes, negando-lhes o registro profissional para que possam advogar, quando se aposentarem das funções atuais.
Além da seccional paulista, a seccional da OAB do Rio de Janeiro adotou a mesma estratégia em setembro e os sites jornalísticos especializados no setor, como o Consultor Jurídico, informam que outras seccionais estão sendo estimuladas a promover “campanha de caça” a seus inimigos. “Um homem que nunca respeitou o advogado não pode depois participar dos quadros da advocacia. O cadastro não tem nada de ilegal. A autoridade (um juiz ou um promotor) sofre um processo interno na Ordem, há um julgamento público pelo conselho de prerrogativas em que a autoridade pode se manifestar e desse julgamento ainda cabe recurso para o conselho da seccional. Só então, com o processo transitado em julgado, é que o nome entra para o rol das autoridades que ofenderam a advocacia”, diz o advogado Mário de Oliveira Filho, o mentor dessa estratégia.
Ao negar registro profissional a quem eventualmente desagradou a algum advogado, a OAB está exorbitando de suas funções, procurando intimidar funcionários de empresas particulares e servidores dos poderes públicos, que têm regras e procedimentos para cumprir e não podem em hipótese alguma acolher pretensões absurdas de determinados bacharéis. A criação do cadastro e a negação de inscrição a quem nele estiver incluído configuram uma acintosa forma de chantagem que fere as liberdades públicas e o próprio Estado de Direito. Em outras palavras, a medida é inconstitucional, permitindo a quem for atingido impetrar ações de indenização por dano moral contra a OAB, como lembram os diretores da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Em contundentes notas de protesto divulgadas esta semana, a Ajufe, a AMB, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Procuradores da República e a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo afirmam que o julgamento de denúncias de violações de prerrogativas de advogados cometidas por juízes e promotores é de responsabilidade das corregedorias do Judiciário e do Ministério Público. Além disso, dizem essas entidades, a OAB já tem dois representantes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que foi criado para promover o controle externo do Judiciário e do Ministério Público.
“A previsão do cadastro confere às seccionais da OAB a oportunidade de julgar juízes por atos praticados no exercício de suas funções, em detrimento das atribuições conferidas às corregedorias e ao CNJ, competência que não lhes foi outorgada pela Constituição”, conclui a nota da Ajufe. “A entidade (OAB/SP) recupera práticas hediondas (...) do antigo Dops, desrespeitando a honra e a intimidade dos listados sem qualquer fundamento legal”, diz o juiz Marcos Fava, diretor da Anamatra.
No passado, lembram juízes e procuradores, a OAB se destacou por defender a democracia e o Estado de Direito. Hoje, a entidade confunde a defesa de suas prerrogativas com a reivindicação de pretensões absurdas e cartoriais. |
Data: 12/12/2006